Arrebatadora, Denise Fraga leva público ao riso e às lágrimas em sua passagem pelo Festival de Curitiba 07/04/2022 - 15:58

Beto Pacheco

 

É improvável que você assista à "Eu de você", peça encenada pela global Denise Fraga, que fez parte do Festival de Curitiba, e não saia arrebatado. Aconteceu comigo, ontem (06.04), no Guairão. 

A atriz está no ápice da forma. E quando digo isso, não estou falando necessariamente sobre o atuar. Isso também, mas falarei na sequência. Sobre forma, estou realmente falando de preparo atlético. Aos 57 anos (idade que, ao pesquisar, deixou meu queixo a meio mastro) ela salta, pula, dança e se contorce por todo o palco. Por mais de uma vez, em velocidade frenética, simula o desespero do acordar, saltar da cama, tomar banho, preparar café, acordar as crianças, alimentar o cachorro, achar a chave do carro, perder a chave do carro, achar novamente a chave do carro, ufa, sair pela porta correndo, entrar no carro, dirigir para o trabalho… Parar no semáforo, mandar mensagem no Whatsapp durante a luz vermelha, 8h em ponto, estar em frente ao computador no escritório.  

Essa rotina encenada mais de uma vez (e por fim com as ordens trocadas, como se homenageasse a composição Construção, de Chico Buarque) é uma linha de condução, ao que me parece, propositadamente contraditória à dramaturgia da obra. Pois ela é justamente o contraponto às histórias que vão sendo contadas ao longo de uma hora e meia de espetáculo. Todas reais, enviadas por pessoas reais, com narrativas ora que te colocam no papel de se identificar, ora de se espantar com a surrealidade. É quase como abrir os jornais diariamente nos tempos atuais.  

Utilizando recursos diversos (uma banda ao vivo, três paredes brancas enormes que servem de telão para projeções, vídeos de depoimentos, o próprio público e com um texto complexo e incessante, ela vai te fazendo rir e chorar simultaneamente. Ao menos foi assim comigo, de ponta a ponta. Aliás, o texto pede tanto fôlego que, ao parar em dado momento, convidando o público a um minuto de foco e silêncio, ela faz com que emoções inesperadas venham à tona. 

As inúmeras personagens são todas encenadas por Denise, em momentos contracenando com ela mesma, a atriz, num jogo de gato e rato. A expressão corporal, um primor. A altivez e a melancolia estão num cair de ombros ou arquear de coluna. Do mesmo modo, ela te faz acompanhar o enredo enquanto você fica lá, refletindo sobre as mensagens, que te instigam a todo momento a avaliar a sua forma de encarar a vida, ou sobre o seu olhar sobre o outro. "Eu de você", lembre-se. E é assim partindo das coisas rotineiras, como repensar o ato de pegar o celular enquanto dirige, às macro, como, porque diabos tiraram o “AMOR” quando colocaram no pavilhão nacional o lema positivista “amor, ordem e progresso”.

Ah, sim, sem esquecer de deixar claro que a reunião para tal - e, sim, certamente houve uma reunião - contou com presenças apenas masculinas. 

O Guaíra, completamente lotado. Ao fim, 2 mil pessoas em pé, aplaudiram sem parar. Eu voltei para casa escrevendo esta coluna na cabeça, fervilhando. E uma certeza: o teatro é uma redoma de encontros e de possibilidades de transformação coletiva que dificilmente outra forma de arte é capaz de igualar. 

Então, levanta do sofá, e sente-se em uma poltrona em frente a um palco. O Festival de Curitiba vai até domingo. Ainda dá tempo.