Centenário de Bibi Ferreira evidencia artista múltipla, completa e interminável 09/06/2022 - 11:30

Thobias de Santana

O poeta Ferreira Gullar certa vez sentenciou: “a arte existe porque a vida não basta”. Cabe recurso. Mas dificilmente a decisão vai mudar. Aí surgiu um iluminado no Brasil chamado Procópio Ferreira, fundamental no fortalecimento do teatro no país e na luta pela regulamentação da profissão de artista. Magnífico ator, empreendedor e notável encantador de plateias, mestre na arte de representar e dar arte para todos, porque sabia que vida não bastava. Getúlio Vargas dizia que Procópio Ferreira havia colocado mais cidades no mapa do Brasil do que muito cartógrafo. Procópio conheceu a bailarina e cantora Aída Izquierdo e, juntos, trouxeram ao palco da história a incrível atriz, cantora, diretora e compositora Abigail Izquierdo Ferreira, mais conhecida como Bibi Ferreira, cujo centenário de nascimento comemoramos neste 2022.

Bibi atribuía à sua mãe o sucesso na vida, pelo fato desta ter ensinado como combater a preguiça crônica que dominava a pequena Abigail, incapaz, por exemplo, de sair do sofá para pegar um copo d’água. Tudo pedia para a tia Dorita, que obedecia as vontades daquela lânguida sedutora.

Bibi entrou em cena numa peça com menos de um mês de idade no lugar de uma boneca que havia sumido. Venceu a inércia e foi uma profissional de grandeza rara. Iniciou atuando nos palcos, cantando no cinema e gravando contos infantis em discos. Dirigiu shows de grandes nomes da música brasileira e, em 1983, estrelou um trabalho que se tornaria uma marca indissociável da artista, o musical “Piaf – a Vida de Uma Estrela da Canção”.

Neste espetáculo, Bibi cantava de forma magnífica, encantando inclusive os franceses, com canções de sucesso interpretadas por Edith Piaf. A peça, com cerca de 14 atores, permaneceu em cartaz até 1990. Bibi foi a estrela, também, dos musicais “Amália”, sobre a cantora portuguesa Amália Rodrigues e "Bibi Ferreira canta Sinatra", em que interpretou grandes sucessos do cantor americano.

Não só de musicais viveu Bibi. O ator e dramaturgo Juca de Oliveira, que assistiu a peça “Gota d'Água” quatro vezes seguidas, revelou ter se comovido em todas, acrescentando que, de tudo que viu no mundo, a maior interpretação que assistiu de uma atriz durante toda a vida foi “a Joana da Bibi Ferreira”. Bibi ganhou muitos prêmios, como o Troféu Imprensa, Prêmio Molière, Prêmio Sharp, Prêmio Shell, Troféu APCA, entre outros. Ainda em vida, Bibi, de premiada, passou a ser nome de um Prêmio instituído para agraciar artistas que fazem teatro musical.

Uma curiosidade: o dia correto do nascimento de Bibi não é preciso. Bibi considerava o dia 1º de junho, mas não descartava o dia 10 do mesmo mês, - conforme consta da entrevista a Jô Soares, exibida no dia 19/07/2013, no trecho que trata da admiração da atriz Liza Minnelli por Bibi, que nasceu no mesmo dia e ano da atriz Judy Garland, mãe de Liza.

Conforme esclarece Ana Lucia Santana no site Infoescola, a mãe de Bibi imagina que sua filha nasceu no dia 1º de junho de 1922. Mas Procópio, o pai, diz ter sido no dia 4. A certidão de nascimento marca o dia 10. Resolve a imprecisão admitir que, de tão grandiosa, Bibi nasceu três vezes. Porque uma vez só, para ela, não basta.

Depoimento, biografia e exposição
Em homenagem ao centenário de Bibi Ferreira e à sua trajetória, a Fundação Nacional de Artes disponibilizou, em seu canal no YouTube, um depoimento exclusivo da artista, realizado em 2015. No curta-metragem de aproximadamente 15 minutos, Bibi revela detalhes de sua infância, do amor que sentia pela mãe e da admiração pelo pai, Procópio Ferreira, e ainda, destaques da sua carreira, como a peça “Gota d'água", de 1975.

Bibi também será homenageada com uma grande mostra na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, reinaugurada como Cidade das Artes Bibi Ferreira neste mês. A exposição será em 3D e alguns dos figurinos usados por Bibi foram recriados por Marcelo Marques numa ambientação assinada pela cenógrafa Natália Lana.

Ainda na esteira das celebrações, foi lançado recentemente o livro “Bibi Ferreira, a Saga de uma Diva”, biografia de autoria de Renée Groissman, amiga de escola de Bibi. Amor e sexo foram temas abordados com naturalidade nos sete longos depoimentos inéditos que embasaram a obra. A atriz — que, aos 11 anos, foi obrigada a vestir uma fita de algodão para esconder os seios — lamentava o fato de “não ter mais idade para amar”.