Com humor e desafogos pandêmicos, "Seguindo Todos os Protocolos" estreia hoje; leia resenha 30/06/2022 - 10:40

Cristiano Castilho

É estranho começar a resenha de um filme pela sua sinopse. Mas, devido à metonínima sem eufemismos, não há como evitar. “Após ficar 10 meses sozinho em quarentena, Francisco quer transar.” Este é o resumo pontual e certeiro de “Seguindo Todos os Protocolos”, primeiro longa do recifense Fábio Leal, que chega hoje aos cinemas do Brasil.

O filme ganhou destaque no Festival Olhar de Cinema 2022 e recebeu o prêmio Helena Ignez no Festival de Tiradentes. O tema não é o cerne. Porque talvez estejamos saturados, na essência do termo, em falar sobre pandemia, vírus, negligência, cuidados, máscaras, álcool em gel e quetais. A saída do diretor foi retratar o período mais crítico do coronavírus do Brasil – março de 2020, quando morriam mais de 3 mil compatriotas por dia – de forma ultra-pessoal, ousada e honestamente humana.

Francisco, o personagem de Fábio, está na seca. “Seguindo Todos os Protocolos” começa com uma videochamada entre Chico e seu namorado (Marcos Curvelo), um amor de carnaval distante e que hoje anda meio bamba. É uma conversa meio surreal e distópica, que envolve pedidos de mostra de axilas, acusações e rompantes, questionamentos raciais e uma música-despedida que nunca acontece. Tudo junto ao mesmo tempo, como se naquela época estivéssemos embebidos numa realidade ultrajante, por diversos motivos, e massacrante, por não entender a melhor forma de alinhar nosso jeito de lidar com o caos, tampouco com os outros. O de Francisco, aliás, é bem rígido.

Em encontros fortuitos marcados por aplicativos de relacionamento, ou num aceno a um contatinho de outrora, há regras a cumprir. Francisco exige teste de vacinação, banho, troca de roupa aos rapazes com os quais se relaciona. E faz sexo, ou tenta, tendo uma película plástica como grande empecilho aos hormônios e membros já saltitantes.

A discussão central de “Seguindo Todos os Protocolos” é uma equação inexata entre o prazer necessário, latente e expurgador, e a tentativa de não infringir regras sanitárias – nunca cumpridas em sua totalidade, mas conhecidas por quem se informa minimamente. É um ato animalesco contra a hipocrisia. O roteiro do longa é muito hábil em construir camadas em que convivem naturalmente o humor, a fetichização dos corpos, e outras muitas questões contemporâneas, como o isolamento na pandemia, o uso de antidepressivos e o desespero gerado por uma pandemia que parecia – parece? - não ter fim.

Situações cotidianas, como o encontro sexual com um agressor (ironicamente, um médico), colocam o filme numa linha narrativa tristemente palpável. Há vídeos com entrevistas de Átila Iamarino, uma tentativa frustrada de fazer ginástica (cena hilária) e áudios de relaxamento. Esses níveis de interação com o espectador (que porventura viveu tudo isso e inclusive tentou aprender a fazer pão), revela também algo muito peculiar nestes tempos: a relação entre o público e o privado, entre o real e o virtual.

Ao tomar o singular como universal, particularmente sobre o lidar com a pandemia no Brasil, “Seguindo Todos os Protocolos” é um filme-observação em tom de desabafo. Com humor, sensualidade, crítica e desespero, além do final “mágico” em tom de fantasia erótica, fala sobre como não lidamos com aquilo que não controlamos – num mundo em constante processo de dissipação.