Com representação problemática de protagonista, “Oppenheimer” é outro exercício vazio do cinema de Nolan 19/07/2023 - 10:48

Felipe Worliczeck*

Em “Oppenheimer”, filme que estreia nesta quinta-feira (20) nos cinemas brasileiros (veja trailer abaixo), o diretor britânico Christopher Nolan repete sua fórmula estéril e confusa, seja no diálogo entre forma e conteúdo, seja na construção de sentimentos. A nova notícia, agora, é que a obra vem acompanhada de uma representação questionável de seu protagonista.

O longa (são 3 horas de duração) gira em torno de Julius Robert Oppenheimer (Cillian Murphy), físico e líder do Projeto Manhattan, destinado a criar a primeira bomba atômica da história. A invenção, quando utilizada pelos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, deixou mais 70 mil mortos em Hiroshima e 40 mil Nagasaki, e remodelou para sempre as relações entre as nações.

Para um tema carregado de polêmica, “Oppenheimer” divaga muito em outros assuntos pouco relacionados à bomba atômica, como a simpatia do protagonista pelo Partido Comunista dos Estados Unidos no começo de sua carreira.

Fica claro que a obra tem dificuldades em retratar a figura problemática de Oppenheimer e o falso dilema que ele viveu, visto que Nolan não encontra argumentos para justificá-lo como um “gênio”, como o filme o retrata, já que o protagonista foi ingênuo o suficiente para continuar o Projeto Manhattan, mesmo após a derrota da Alemanha, ao usar a bomba em civis de um país com poder de fogo significativamente menor.

O filme, portanto, pouco se importa com qualquer característica psicológica do personagem, arrastando-se por três horas entre pontas de atores conhecidos (Robert Downey Jr., Emily Blunt, Jack Quaid) e extensivas cenas de depoimentos, como se a própria obra reconhecesse sua incapacidade de justificar a história que conta. Uma breve cena de arrependimento do cientista, por exemplo, é esquecida quando ele volta à sua personalidade estoica, comum nas figuras masculinas do diretor, incapazes de demonstrar qualquer subjetividade, assim como sua direção.

Outro problema do roteiro, presente também em outros trabalhos do britânico, é o uso excessivo de diálogos expositivos. Utilizados anteriormente de maneira condescendente para explicar teorias científicas como em “Interstellar” (2014), o novo filme de Nolan os rebaixa a simples relações interpessoais.

A cena em que Oppenheimer faz sexo pela primeira vez com Jean Tatlock (Florence Pugh) é um exemplo claro. Jean interrompe a relação com Oppenheimer e começa a ler livros de sua estante, nos lembrando que o personagem que vimos no primeiro terço do longa, em universidades, debates e palestras científicas, se trata de um intelectual. O “conflito" temático do filme, portanto, se dá às avessas: quando ele tenta combinar um roteiro fraco, a princípio movido por personagens e diálogos, com uma direção que valoriza a experimentação com imagens. A experiência é insossa.

É comum que Christopher Nolan utilize a realidade fabricada pelos aspectos técnicos de seu filme, em especial o IMAX, para justificar alguma qualidade de suas obras. O próprio diretor defende, por exemplo, que seus longas foram feitos para serem assistidos em salas projetadas para as tecnologias que usa. Suas películas, assim, emulam mais uma experiência advinda de um parque de diversões do que de um filme propriamente dito. No lugar de emoções reais, Nolan traz o espetáculo como fim em si mesmo. 

Apesar de seus altos valores de produção (algo em torno de 100 milhões de dólares, neste caso), os filmes do diretor também já foram acusados de problemas técnicos que beiram o amadorismo. Em “Tenet” (2015), por exemplo, há cenas com diálogos inaudíveis, engolidos pela trilha sonora. Em seu novo filme, há um uso constante de trilha em praticamente toda cena, em uma tentativa de compensar uma obra que não consegue articular qualquer dramaticidade em seu roteiro ou direção.

O espetacular presente em seus aspectos técnicos termina vazio de significado, o que torna “Oppenheimer”, assim como a maioria dos filmes de Nolan, uma experiência cinematográfica apática, que emula o cinema, porém carece da subjetividade e emoção necessárias para nos convencer da narrativa que conta. Ou que, como o próprio filme timidamente reconheça, talvez não mereça ser contada.

*Estagiário, sob a supervisão de Cristiano Castilho