Da Trajano Reis ao Gato Preto: quem é Will, o artista da Curitiba que ninguém vê 07/11/2022 - 15:34

Lucas Franco*

O perfil @eu_sou_will_ no Instagram, em que o artista Vinícius Prates, 21 anos, publica suas ilustrações, recebeu muita atenção nas últimas semanas. Atualmente, a conta tem mais de 3.200 seguidores. Um número talvez não tão expressivo, mas que vem em uma crescente constante, recebendo divulgação inclusive de páginas como "Busão Curitiba" e "Curitiba Mil Graus", com 44 mil e 539 mil seguidores respectivamente. Nos comentários, é possível perceber que parte dessa popularidade se deve ao apelo – por vezes nostálgico – a cenas de diversos espaços conhecidos de Curitiba.

Ao caminhar pelo Calçadão da Rua XV, por exemplo, não é difícil se deparar com figuras, edificações e situações interessantes. Para uma pessoa já acostumada com essa rotina, a paisagem acaba não sendo tão impactante. Mas, se elas forem observadas com a atenção devida, torna-se arquétipo da cultura local. E aí entra Will, estudante de artes visuais da FAP. Ele nos faz abrir os olhos para esses detalhes com originalidade e ironia.

Banca de jornal, sob a visão de Vinicius Prates.

Além da popularidade dos locais retratados, algumas características se destacam nos desenhos: a escolha pelo retrato de uma Curitiba por vezes “suja”, não turística. Além do recurso POV (point of view), também chamado de "olho de peixe", em que a ilustração parte de uma perspectiva do artista, como se estivéssemos em seu ponto de vista ao reproduzir aquela cena.

Em entrevista à Educativa FM, Vinícius Prates, estudante de arte da FAP, esclareceu muitos pontos dessa trajetória, que retrata uma Curitiba conhecida, sim, mas de forma mais visceral. Confira:

Como começou sua história no mundo das ilustrações?
Desenhar é algo que toda criança gosta de fazer. Eu sempre desenhei, o que aconteceu foi que fui refinando meu traço e as minhas referências com o tempo, por isso também não gosto de me intitular artista. Prefiro ser chamado de ilustrador. Um lugar que foi muito importante para mim foi a Gibiteca, onde conheci muita gente. André Caliman [quadrinista, autor da série “E.L.F”, da novela “Revolta”, e mais recentemente, de “A Vida das Independências do Brasil”], por exemplo, foi meu primeiro professor de quadrinhos lá [na Gibiteca]. Ele me apresentou o que é a minha base hoje, o Crumb, os caras do underground…

De onde surgiu essa inspiração artística para retratar o espaço urbano?
Uma inspiração para mim é o Kim Jung Gi [ilustrador e cartunista sul-coreano falecido em outubro de 2022, conhecido por suas ilustrações gigantes e altamente detalhadas].

Arte de Vinicius Prates, o Will.

Aquele com quem você tirou uma foto e postou no seu perfil, chamando ele de referência?
Sim! Ele mesmo! Eu conheci o trabalho dele na mesma semana em que eu tirei essa foto, na Bienal de Quadrinhos de Curitiba [2014]. Ele ficou muito conhecido por fazer esses desenhos de lugares, sentar em um lugar e desenhar, que a gente chama de sketch urban. Eu até curto fazer nesse método, mas não tenho muita paciência, hahaha. Sempre tentei fazer, mas nunca terminava os desenhos nesse estilo, até porque eu estava trabalhando e não tinha muito tempo.

As postagens mais antigas no seu perfil no Instagram não tinham essa estética atual, de ilustrações da cidade. Qual foi o ponto de ruptura, que deu origem ao que você produz atualmente?
Eu estava trabalhando muito e não tinha tempo para pensar em algo "mais meu" para ilustrar. De uns tempos pra cá, me senti um pouco apagado, pensava “pô, eu sempre desenhei muito, mas agora tô me dedicando a um emprego que não gosto tanto”. Até que uns tempos atrás teve um feriado e eu decidi ir no Bec Bar, e foi lá mesmo que eu tive vontade de desenhar aquele espaço que eu frequento muito. Já tinha feito outro nesse estilo POV (ponto de vista), e usei essa mesma lógica no desenho do Bec Bar. Aí bombou nas redes. Foi ali que eu percebi que existia um vácuo, era algo que ninguém estava fazendo ainda, principalmente sobre esses lugares não tão turísticos, mas famosos principalmente entre população mais jovem da cidade.

Há uma pessoa que comenta frequentemente em suas publicações, pedindo para você parar com esses desenhos "sujos" e focar mais em desenhar parques. Qual a diferença para você entre desenhar locais como Gato Preto e Copo Sujo, em vez de desenhar um lugar mais turístico?
Acho que isso vem muito da minha bagagem do quadrinho underground, onde a gente tem muito rancor do popular. O meu traço sempre foi muito sujo mesmo, a questão estética influência isso e a questão cultural também. O Parque Tanguá, o Parque Barigui, e a Ópera de Arame são lugares para os turistas. Mas o Copo Sujo, pô, quem conhece o Copo Sujo? Só quem frequenta Curitiba e principalmente a noite curitibana. Sou muito ligado a esses lugares que todo mundo conhece, mas ninguém comenta. O Gato Preto, por exemplo, é um local que está no imaginário de todo mundo, mas você não vê ele sendo “homenageado”, tanto que os meus desenhos desses lugares não são satíricos, são uma homenagem mesmo. Penso que se lugares como o Copo Sujo me impactam, com certeza devem impactar outras pessoas também.

Pessoalmente falando, suas ilustrações, tanto estetica quanto tematicamente, me remetem muito ao escritor curitibano Dalton Trevisan. Você já teve algum contato com a obra dele?
Muita gente veio me falar exatamente isso. Nunca tive a oportunidade de ler nada dele, mas depois que começaram a me falar eu fui atrás. E realmente, ele bebe muito dessa estética de uma Curitiba nua e crua. Mesmo que ele não seja influência direta para mim, só por ele estar orbitando nessas pessoas e locais “sujos” da cidade, acredito que haja uma convergência entre nossos trabalhos.

Você acha que essa convergência tem algum motivo?
A geração mais nova não tem muito dessa visão de cidade modelo. Minha mãe, por exemplo, veio pra cá na década de 90. Então muita coisa é desconstruída quando você vive aqui realmente. A rota do ônibus Turismo por exemplo, acho muito engraçada: ele faz toda uma manobra para não passar pela Vila Torres. Essa elite curitibana tem muito costume de jogar as coisas para debaixo dos panos. A proposta de retirar os armários da Praça Osório é um bom exemplo, tinha muito morador de rua, então a gente precisa se livrar dessas pessoas para que ninguém as visse.

Tem uma ilustração sua do ônibus da linha Alferes Poli. Por que essa escolha em específico?
Apesar de eu não pegar essa linha corriqueiramente, ela passa perto da minha casa. Eu queria desenhar um ônibus de Curitiba, e o Alferes Poli é um ônibus mítico. Esta escolha também está ligada a essa pegada do underground. É um ônibus muito popular, com figuras certamente marginalizadas, talvez até pela rota que ele faz

Chega a ser engraçado essa relação do curitibano com o seu ônibus, seu cobrador, sua rota…
Sim, total! É algo que faz parte da gente. Desde pequeno a gente já se acostuma com uma estação tubo, com um terminal, com as cores das linhas. Conheço praticamente toda a rota Cabral/Osório, Jardim Mercês/Guanabara, e isso é praticamente uma conexão com a cidade. Não à toa que as minhas últimas ilustrações têm sido de ônibus e estações tubo.

E como está sendo para você lidar com essa repercussão do seu trabalho?
Tem sido muito legal, apesar de não ter tantos seguidores. Acabo encontrando pessoas que conheci nos últimos tempos nos lugares que frequento. Elas me reconhecem, o que prova ainda mais que a minha arte realmente toca mais pessoas, e que mais pessoas também têm essa visão da cidade.

Rua Trajano Reis, por Vinicius Prates.


Há alguns desenhos seus que não são de espaços públicos, mas de figuras públicas quase icônicas, como aquele senhor do Restaurante Dom Martini, que fica vendendo almoço na Rua XV. Tem alguma outra figura curitibana que você acredita render uma boa ilustração?
Sem dúvida tem muitas. O Plá é um bom exemplo disso. Ele é o famoso que não é famoso. Todo mundo conhece ele!

Para finalizar o nosso papo, tem algum lugar que você queira muito ilustrar, mas talvez não tenha tido oportunidade ainda?
Eu tô maturando a ideia ainda, porque já fiz vários desenhos e não gostei do resultado. É a pista de skate do Gaúcho, que quase já virou uma lenda urbana. Eu devo ter uma pasta no drive só com fotos do lugar, para ter mais referências. Acho que isso se deve muito pelo fato da pista do Gaúcho não ter sido muito emblemática para mim. Tenho uma certa dificuldade em ilustrar com qualidade algo que não faça parte do meu rolê. Apesar de não me marcar tanto, tenho certeza que ele marca muita gente, por isso eu não finalizei, porque sinto que falta alma nele. Eu sei desenhar a Trajano Reis, porque eu frequento o lugar. Justamente por isso eu tô passando a visitar mais o Gaúcho, para me embebedar realmente na atmosfera daquele lugar.

A entrevista foi realizada no dia 25 de outubro. No dia 5 de novembro, Will publicou a ilustração da Praça do Gaúcho - como ele queria. Você confere no perfil do artista, o @eu_sou_will_


*Estagiário, sob supervisão de Cristiano Castilho.

 

 



 

GALERIA DE IMAGENS

  • Bondinho, por Will.
    Linha Alferes Poli, por Will.
    Lanchonete Dois Corações, por Will.
    "Vendedor de almoço", por Will.
    Feirinha da Osório, por Will.
    Cenas da Trajano, por Will.
    Bec Bar, por Will.
    "Rotina", por Will.
    Lanchonete Come-Come, por Will.
    "Não Cabe Mais Ninguém", por Will.
    Templo Hare Krishna, por Will.
    Bondinho, por Will.
    Linha Alferes Poli, por Will.
    Lanchonete Dois Corações, por Will.
    "Vendedor de almoço", por Will.
    Feirinha da Osório, por Will.
    Cenas da Trajano, por Will.
    Bec Bar, por Will.
    "Rotina", por Will.
    Lanchonete Come-Come, por Will.
    "Não Cabe Mais Ninguém", por Will.
    Templo Hare Krishna, por Will.