Dalton Trevisan está de aniversário e não haverá convescote 14/06/2022 - 12:00

Cristiano Castilho

O vampiro está de aniversário. Recluso em sua vida pessoal, excêntrico em sua misantropia deliberada, e singular em sua produção literária, Dalton Trevisan completa 97 anos nesta terça-feira (14). Ao que consta, não haverá festa.

Dalton é um curitibano puro sangue, que carrega consigo um ethos particular já em fim de carreira: o de uma Curitiba provinciana, moldada em narrativas pontuais de cenas de um cotidiano ardiloso que ele, com sua obra imensa, conseguiu traduzir. Pensões, sexo e pornografia, um pouco de amor, Joões e Marias, a finidade das coisas, um niilismo inato, cenas de uma esquina, o olhar do cronista/ contista que há mais de seis décadas rumina em sua própria literatura. Não que seja preguiça. É método.

Dalton é o super trunfo de uma geração literária que desapareceu. Com mais de 40 livros lançados, diversos prêmios conquistados e textos traduzidos para diversos idiomas em mais de 10 países, ele se consolidou ao longo de mais de meio século como um dos maiores contistas da nossa literatura. Um observador perspicaz, cínico em sua criação e misterioso em vida, Dalton venceu o prêmio Camões em 2012, pelo conjunto de sua obra. Obviamente não foi recebê-lo. Nosso João Gilberto de pantufas também tem quatro prêmios Jabuti na estante, dois prêmios da Biblioteca Nacional, um da APCA e um Machado de Assis.

Dalton Trevisan formou-se em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Exerceu a advocacia durante poucos anos e iniciou a carreira de escritor com dois livros que, como bom curitibano autofágico, renega veementemente: “Sonata ao Luar”, (1945) e “Sete Anos de Pastor” (1948). Sua estreia oficial foi com “Novelas Nada Exemplares” (1959), coletânea de contos sobre a qual trocou ideias com o jornalista e escritor Otto Lara Resende (1922-1992).

Desde a estreia, Dalton mantém um nível padrão em sua escrita. Lapidador de frases, Dalton busca a essência da palavra. Quase resvala na poesia. E, nessa busca do texto como um bonsai recém-podado, mergulha seus conhecidos (e repetidos) personagens em aventuras mundanas. Épicas em sua humanidade e cotidianas em sua desumanidade. Para quem quer mergulhar nessa Curitiba particular e vampiresca, a sugestão é sempre “Cemitério de Elefantes” (1993), livro em que Dalton aprofunda sua tese sobre a incorreção humana – em narrativas sempre curtas que flertam com o ultrarrealismo, e com uma certa obscuridade inescrupulosa.

Em 1946, Trevisan fundou a importante revista “Joaquim”, que ganhou uma coleção caprichada pela Biblioteca Pública do Paraná há alguns anos. Editaria o suplemento até 1948. Por ela, passearam textos de Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade e Vinicius de Moraes, além de pensatas de pintores como Di Cavalcanti e Portinari, e de críticos como Otto Maria Carpeaux, seu futuro desafeto.

Qual um Thomas Pynchon das araucárias, Dalton Trevisan evita entrevistas e aparições públicas. Mas, sabe-se, há os seus confidentes. E a suas confidentes. A última notícia que se tem do vampiro aniversariante é que mudou-se de sua antiga e enorme casa na Ubaldino do Amaral esquina com Amintas de Barros – paredes cinzas e cortinas cerradas, como havia de ser – para um apartamento na Rua Doutor Muricy, Centro de Curitiba.

Talvez para ficar mais perto da Praça Tiradentes. Porque, como lembrou o jornalista Roberto Muggiati em artigo para o jornal Cândido, nem o relógio de sol da Farmácia Stellfeld, ainda ativo na praça, escapou à sua sanha ficcional. 

“De repente o doutor me empurra (eu? ela?) de cara contra a parede. Ergue a saia e bota o Ponteiro do Relógio de Sol (tem um lá na Praça Tiradentes, isso que é falar bonito!) dentro da calcinha entre as bochechas (ai, lindas bochechas minhas, bem redondas, assim empinadas).”