De D. Pedro I a The Strongest, Eduardo Bueno fala dos últimos 200 anos do Brasil em palestra na BPP 05/05/2022 - 17:50
Beto Pacheco
Quem foi nesta quarta-feira (04) à Biblioteca Pública do Paraná (BPP) encontrou um Eduardo Bueno afiado. O que já era esperado. O jornalista, escritor, tradutor e apresentador gaúcho, que ajudou a popularizar o conhecimento de História no país, com 30 livros publicados e um canal no YouTube, o “Buenas Ideias”, com mais de 110 milhões de visualizações, ministrou palestra sobre o bicentenário da Independência do Brasil. Cerca de 200 pessoas assistiram, aprenderam e riram. A entrada foi gratuita. Logo após, ele concedeu entrevista, ao vivo, para a Rádio Educativa.
Sem a necessidade de apresentação - afinal todos que lá estavam bem o conheciam, muitos com livros de sua autoria a tiracolo -, Bueno abriu os trabalhos brincando com a plateia, quebrando o gelo, com um dos temas que o inflamam: o futebol. “Me chamaram aqui pra falar sobre os eventos pré e pós a separação do Brasil de Portugal. Porém, posso falar sobre o que vocês quiserem. Que tal começarmos com o The Strongest?”, provocou o gremista indefectível, em alusão ao clube boliviano que na noite anterior havia vencido o Athletico Paranaense por 5 a 0, pela Copa Libertadores da América. Riram todos, inclusive os athleticanos.
Peninha, apelido que ganhou no jornal Zero Hora (RS), onde começou como repórter quando tinha apenas 17 anos, passou duas horas elencando os fatos que culminaram na independência - e suas consequências. Claro, detalhando como eles teriam acontecido, não como necessariamente foram ensinados na sala de aula. Um trabalho que se iniciou há muitos anos, quando Bueno passou a questionar, realmente, seu conhecimento sobre a história do seu próprio país e povo. “Eu me perguntava o que sabia sobre a história do Brasil e, invariavelmente, respondia: Pedro Álvares Cabral, Dom Pedro I, Dom Pedro II, Tiradentes, Getúlio… e parava meio que por aí”, rememora, com certo exagero. Hipérbole que ajuda a dar o tom geral do brasileiro médio em relação ao saber sobre seu passado.
Fato que ainda reforçou lembrando de outra passagem de sua vida. “Certa vez, em entrevista para o Jô Soares, ele me perguntou como eu decorava tantas datas. Disse a ele que eu não decorava. Que inventava todas, mas que como ninguém sabe data nenhuma, todos acreditam em mim”, contou, terminando com aquela piscadela para o público, que se deleitava com o palestrante, mais stand-up que professoral, à sua frente.
Aliás, a relação de Eduardo Bueno com seus espectadores definitivamente é franca e incisiva. Não faltaram xingamentos e críticas ferinas àqueles personagens da História, do passado e do presente. Um alento, convenhamos. Ainda mais em tempos em que rodas de conversa se desfazem na primeira vírgula do discordar. A toada sarcástica e satírica, apontando inúmeras contradições, ajuda a dar peso às análises do jornalista/escritor, mas também deixa claro que ele entende que, quem está ali para assisti-lo, preparado está para assimilar linguagem e intenções. Em tempo: falta esse entendimento se espraiar ainda mais por ruas, praças e, principalmente, redes sociais.
E contradição, com perdão ao eufemismo, em dois séculos de Brasil é O que não falta para pegar os desavisados de surpresa. Bueno elencou algumas. “Adivinhem qual foi o único país da América do Sul que se tornou independente, mas não aboliu a escravidão simultaneamente, hein, hein?” Mas o tema que talvez mais o deixe ouriçado nesses últimos 200 anos são as Constituições. “Tivemos sete Constituições. Sete! Cada uma com suas peculiaridades, benesses e tragédias, mas o brasileiro não sabe ‘nada’ sobre nenhuma delas”, e concluiu com um de seus aforismos preferidos: “povo que não sabe de onde veio, não sabe para aonde vai”.
Neste enredo, ele seguiu lamentando profundamente o incêndio do Museu Nacional, “diz muito sobre quem somos”; os estereótipos de nossa ‘elite’, “retrógrada, conservadora, careta”; e deixando explícito que o “não saber gera um descompasso com o Brasil real, que está lá fora, nas ruas”.
No fim da apresentação, antes de abrir para perguntas e dar autógrafos, Eduardo Bueno celebrou estar no ambiente de uma biblioteca com a importância e a grandeza da BPP. De quebra, respondeu a uma pergunta retórica, novamente cutucando a ferida, de como se faz para aprender e entender o passado, e assim fazer dos próximos 200 anos tempos melhores: “Existe um certo objeto, o qual você abre e lá encontrará caracteres. Esses caracteres se juntam e formam uma coisinha que se chama palavra. Essas tais palavras se unem e formam frases. Frases em parágrafos. E parágrafos em capítulos. No todo, temos um livro”.
Em entrevista para a Educativa, após a palestra, ele ainda falou de Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão, de música (citando Caetano, Gil e Marisa Monte), do "péssimo" governo (1910-1914) do presidente Hermes da Fonseca e também do papel de Renato Gaúcho, ídolo, entre outros, do seu clube do coração, o Grêmio. Ouça em nosso podcast:
Sobre Eduardo Bueno
Conhecido do público como “Peninha”, Eduardo Bueno se tornou um dos maiores fenômenos editoriais do país a partir de 1999, quando lançou o primeiro livro da Coleção Terra Brasilis (Editora Objetiva), em que se aprofundou nos meandros do Brasil Colônia. Desde então, recebeu alguns dos principais prêmios e menções honrosas nacionais, como o Jabuti e a Ordem do Mérito Cultural. Nos últimos anos, também se dedicou a projetos na televisão (como a série Guia Politicamente Incorreto) e na internet — seu canal no YouTube, Buenas Ideias, conta com mais de 1,26 milhão de inscritos e vídeos que ultrapassam a marca de 110 milhões de visualizações. Em 2020, lançou o livro "Dicionário da Independência: 200 Anos em 200 Verbetes" (Editora Piu, 2020).
Ciclo do Bicentenário da Independência
A Biblioteca Pública do Paraná promove ao longo do ano o Ciclo do Bicentenário da Independência — série de palestras temáticas com historiadores e pesquisadores sobre o processo da separação do Brasil de Portugal.