De volta com o fugaz "Batem à Porta", M. Night. Shyamalan reforça sua carreira inconstante 01/02/2023 - 16:39

Cristiano Castilho

M. Night Shyamalan é um cineasta 8 ou 80. Se nos deu um dos maiores plot twists do cinema no século 20 com “O Sexto Sentido” (1999), e foi capaz de criar um suspense psicológico extraterreste sem mostrar homenzinhos verdes (“Sinais”, 2002), também criou filmes absolutamente esquecíveis, como o bobo conto de fadas moralista “A Dama na Água” (2006). Pois o indiano naturalizado norte-americano está de volta, para a alegria de uns e tristeza de outros. “Batem à Porta”, seu novo filme, estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (2). E parece ser mais um passo em falso de um diretor respeitado, mas de carreira inconstante.

Você sacrificaria quem ama ou a você mesmo para salvar o mundo? Essa é a pergunta-premissa de “Batem à Porta”. De férias num chalé no meio de uma floresta, o casal Eric (Ben Aldrige) e Andrew (Jonathan Groff) descansa com a filha Wen (Kresten Cui). Após um encontro tenso de Wen com Leonard (Dave Bautista, ator e ex-fisiculturista), o homenzarrão e mais três pessoas batem à porta do chalé, com grandes armas (ou ferramentas) improvisadas à mão.

O quarteto diz que quer conversa, mas entra à força na cabana, cenário onde se desenrola quase todo o filme. Ao lado de Leonard está um sujeito violento e que já foi preso, Rupert Grint (o Ron Weasley da série Harry Potter), Nikki Amuka-Bird, enfermeira, e Abby Quinn, cozinheira de um restaurante mexicano. Todos são movidos por uma certeza apocalíptica, num misto de fundamentalismo religioso e culto suicida: a de que o mundo irá acabar em breve, a não ser que alguém da família seja sacrificado pelo bem comum.

A cada negativa do casal, que num primeiro momento entende que o quarteto está num delírio coletivo, uma praga cai sobre a Terra. Terremotos, tsunamis, um novo e mortal vírus, pane generalizada em aviões que despencam do ar. Tudo isso é mostrado na TV do chalé, em telejornais supostamente "ao vivo", como prova de que o mundo será destruído caso o casal e a criança não tomem a decisão final.

“Batem à Porta”, desde a sua premissa, e principalmente no seu desenrolar superficial, com personagens incomodamente ingênuos, talvez nos pergunte se estamos dispostos a nos sacrificar pela continuidade do planeta. Não no sentido de diminuir privilégios, mas no de trocar a nossa existência por algo que faz mais sentido para um coletivo, de uma ação individual e fundamental que reverbera em todos. Shyamalan, no entanto, achata tudo isso ao produzir quatro cavaleiros modernos do apocalipse, que de início propõem o diálogo, mas que terminam, eles mesmos, como seres violentos e fragilizados pela própria crença. Crença essa, aliás, baseada em “visões”, e que conseguiu reunir a turma por meio de chats na internet. Há referências ao mundo atual, com suas teorias conspiratórias que são capazes de abalar democracias, e a grupos de ódio na internet? Sim, mas como acidente de roteiro, não como fio condutor.

Escorregadas também são os flashbacks novelescos do casal Eric e Andrew – a não aceitação do relacionamento por parte dos pais de um deles, ou a agressão sofrida por Andrew num bar por um dos invasores. São cenas que aliviam o estresse que o filme exala, mas desnecessárias se a profundidade de personagens não foi prioridade do roteiro – adaptado do livro “O Chalé no Fim do Mundo”, de Paul Tremblay.

Como quase sempre acontece nos filmes de Shyamalan, o desfecho é, na falta de outra palavra, instigante - embora morno demais. A seita teria razão? Ou tsunamis, vírus e catástrofes já fazem parte da nossa vida corriqueira e agora são confundidos com coincidências num mundo pré-apocalíptico? Para perguntas mal feitas, respostas que não interessam tanto.