Destaque do Olhar de Cinema, “Videodrome - A Síndrome do Vídeo” é atual e imortal 15/05/2023 - 14:48

Felipe Worliczeck*

O maior ponto em comum em filmes de terror, além dos espantos, é que eles tocam em feridas profundas do contexto em que foram criados. “Videodrome - A Síndrome do Vídeo” (1983), de David Cronenberg - diretor escolhido pelo Olhar de Cinema de Curitiba na mostra “Olhar Retrospectivo” deste ano - torna o aspecto político do terror um elemento narrativo central de seu universo, em uma história que fala sobre a banalização da violência pela mídia. O filme será exibido nos dias 15 e 17 de junho, no Cine Passeio. A venda de ingressos para a sessão de abertura (“Casa Izabel”) começou nesta segunda-feira (15), pelo site olhardecinema.com.br

Uma das maiores inspirações para Cronenberg em “Videodrome” (veja trailer abaixo) é o teórico da comunicação canadense Marshall McLuhan, que defendia a ideia da tecnologia como extensão do indivíduo. Foi ele quem cunhou a frase “o meio é a mensagem”, alertando sobre como as mudanças do meio de comunicação influenciam a relação entre emissor e receptor.

A narrativa do filme conta a história de Max Renn (James Woods), dono de uma pequena emissora de TV a cabo canadense focada em pornografia. Para aumentar os números de espectadores em seu canal, Max intercepta, de maneira clandestina, episódios do programa Videodrome, onde são exibidas cenas de violência e tortura. O programa, porém, não é tão falso quanto Max imaginava, além de ser capaz de destruir a mente e corpo de quem assiste.

A obra vai, aos poucos, mostrando como os poderes misteriosos da fita cassete levam Max à loucura, de uma maneira que nos torna cúmplices de sua perversão. Para conseguir isto, o filme faz uso muito interessante da montagem, sequenciando seus eventos quebrando uma “continuidade” linear, fazendo você duvidar do que é real ou não.

A obra adota muitas convenções do cinema maneirista em suas atuações artificiais e estética exagerada, comum à filmografia dos anos 1980. O filme se diferencia, porém, ao usar essa linguagem de maneira mais experimental e lúdica para transmitir sua mensagem, como na icônica cena em que o protagonista sucumbe totalmente à loucura, entrando na tela de TV em que sua namorada Nicki Brand (Deborah Harry) aparece, chamando por ele após desaparecer em busca de uma audição no programa.

O cinema de horror atingiu o ápice do uso de efeitos práticos durante a década de 1980, em filmes como “Evil Dead 2” (1987) de Sam Raimi, por exemplo. Cronenberg usa desse artifício para contar, de maneira muito pitoresca, a simbiose entre o ser humano e a tecnologia das teorias comunicacionais. 

A temática de Cronenberg, baseada nessa uma relação crítica entre o ser humano e dispositivos tecnológicos, se torna cada vez mais presente nos dias de hoje com o avanço da realidade virtual. Elementos digitais aparecem no filme de maneira prematura por conta da época, em que o personagem vive uma nova dimensão com um aparelho que remete muito aos atuais óculos de realidade virtual.

Mais do que o avanço dessas tecnologias, o filme retrata muito bem em seus aspectos narrativos a banalização do mal causado pela exposição em massa à cenas de violência. As próprias interações do filme entre o casal de Max e Nicki escalam na violência na mesma medida que seu consumo das cenas de tortura cresce. Essa relação chega a tal ponto que, em uma de suas alucinações, o protagonista chicoteia a televisão em que sua namorada agora vive. 

Esse tipo de violência não apenas permanece como se intensifica atualmente pela banalização da pornografia, que se torna mais violenta na medida em que o consumidor se dessensibiliza com o que está na tela, processo facilitado pelo acesso irrestrito à internet. 

Apesar de Max Renn, no final do filme, implorar pela morte da tecnologia que o seduziu e destruiu, a mensagem de “Videodrome” é imortal.

Outros cinco longas de Cronenberg estarão presentes na mostra, que foca nos primeiros 25 anos de carreira do diretor: “Calafrios” (1975), “A Mosca” (1986)”, “Gêmeos: Mórbida Semelhança” (1988), Crash: Estranhos Prazeres (1996) e “eXistenZ” (1999).

*Estagiário, sob supervisão de Cristiano Castilho