Dono do ritmo e de boa prosa, Wilson das Neves nascia há 86 anos 14/06/2022 - 12:20

Thobias de Santana

Tenho o privilégio de ser filho do compositor, ator, radialista e cantor José Tobias, um profissional dono dos seus caminhos e sem nenhum medo de fazer o correto. As escolhas do meu pai proporcionaram conexões fantásticas com espíritos iluminados. Dos frutos colhidos por ter força para nadar contra as marés, um deles foi o álbum “Rapsódia Brasileira”.

O disco nasceu de uma ideia do inquieto guerreiro Hermínio Bello de Carvalho, que idealizou uma rapsódia em dois movimentos com grandes composições interligadas e sem pausa. Para quem valoriza e se interessa pelo registro, lá vai porque vale a pena: o cantor escolhido para o desafio foi o meu pai, José Tobias, com arranjos e regência de Radamés Gnattali, acompanhamento com a “Camerata Carioca”, com a seguinte formação: Joel Nascimento – bandolim; Joaquim dos Santos Neto – violão; Maurício Carrilho – violão baixo; Luiz Otávio Braga – violão 7; Henrique Leal Cazes – cavaquinho; Dazinho – flauta e Beto Cazes – percussão, e para fechar com chave de ouro o “Octeto Brasilis”, com Radamés ao piano; Aloisio de Vasconcelos nos teclados; Rafael Rabello no violão 7 cordas; Helio Capucci no violão de 6; Wanda Cristina Eichbauer na harpa; Braz Limonge Filho no oboé; Zeca Assumpção no contrabaixo e Wilson das Neves na bateria.

Nossa homenagem, hoje, é ao grande Wilson das Neves, baterista que tinha a admiração do maestro Radamés e que meu pai, ontem no nosso bate papo diário por telefone, recordava com saudade, lembrando da competência e amizade com esse grande mestre. Essa verdadeira lenda e talento da percussão, canto, composição e bateria nasceu em 14 de junho de 1936 e nasceu para consolidar muitas conexões com outros gigantes da música brasileira.

Essa conexão começa com o encanto pelos atabaques do candomblé, depois, com Edgar Nunes Rocca (Bituca), considerado um dos maiores percussionistas e bateristas do Brasil, Wilson das Neves é iniciado, com aproximadamente 14 anos, na arte do ritmo, na arte da boa música. Já com 18 anos, Wilson das Neves é levado por Bituca para a Escola do professor Joaquim Negli, que havia sido professor do próprio Bituca.

Muito jovem participa de Orquestra, de gravações e de shows com nomes de peso da música brasileira. Integra conjuntos musicais como o de “Ed Lincoln” e as Orquestras das emissoras da TV Globo e Excelsior. Entre muitos trabalhos, Wilson, conhecido por seu bom humor e suas grandes frases de efeito, no final da década de 1960, participou do disco “Elza Soares / baterista / Wilson das Neves”, que trazia músicas como “Balanço Zona Sul”, “Deixa Isso Pra Lá”, “Garota de Ipanema”, “O Pato”, “Copacabana”, “Se Acaso Você Chegasse”, entre outras.

Lançou em 1969 o LP “Som Quente É o das Neves”, com músicas de Caetano Veloso, Erasmo e Roberto Carlos, Roberto Menescal, entre outras, e os destaques “Zazueira”, de Jorge Ben e Fly Me To The Moon, com Wilson na capa, todo de branco, com uma boina azul. Em 1976, lançou “O Som Quente É o das Neves”, com músicas autorais, de BadenPowell/Vinícios de Moraes, João Donato/Orlann Divo, e muitos outros, trazendo na capa ele, na bateria, e mais 13 componentes do seu conjunto.

Conquistou o prêmio Sharp com o CD “O Som Sagrado de Wilson das Neves”, lançado em 1996 com várias músicas em parceria com Paulo César Pinheiro e uma com Chico Buarque, entre outras. Na verdade, são incontáveis os trabalhos que receberam o mágico e competente ritmo do grande Wilson das Neves, que conquistou também, como compositor, a admiração pela criação de obras como “O Samba é Meu Dom”.

Aliás, Wilson conquistou muito mais, conquistou gratidão sincera de muita gente boa do mundo artístico e de fora dele, gratidão que era outra marca do Mestre, como ele próprio demonstra falando de colegas e de Cyro Monteiro em entrevista a Alexandre Teixeira. 

Aos muitos amantes do ritmo, afinal todos temos um coração marcando o compasso das nossas vidas, vale buscar nas plataformas esse grande mestre Wilson das Neves, tanto nos incontáveis trabalhos realizados, como na reverberação da sua magia ritmada, sendo uma delas o disco póstumo que conta com a participação, entre outros, de Chico Buarque, Ney Matogrosso, Seu Jorge, Emicida e Zeca Pagodinho, com 18 canções inéditas do mestre, que está presente cantando em três faixas.