"Doutor Sabe-Tudo" e coautor de "Chão de Estrelas", Silvio Caldas nascia num distante 23 de maio 23/05/2022 - 10:40
A vida não é feita só de vitórias e de bons momentos. Mas, cá pra nós, como é bom recordar as coisas boas do passado. Viajar no tempo e lembrar dos nossos pais jovens, dos nossos avós e bisavós. Tempo em que prestávamos atenção em detalhes que pareciam pequenos, como plantas, insetos, nuvens, estrelas, sabores e, claro, a música da época.
Muito do gosto musical dos nossos pais e avós, em algum momento e medida, foi ou será incorporado ao nosso e é nessa viagem ao passado que lembrei de um cantor que fez muito sucesso. Seu nome: Sílvio Antônio Narciso de Figueiredo Caldas ou, simplesmente, Silvio Caldas, ou ainda, para um grande grupo de admiradores, Caboclinho Querido, nome criado pelo famoso radialista César Ladeira.
Silvio Caldas nasceu no dia 23 de maio de 1908. Na adolescência trabalhou como mecânico, leiteiro, caminhoneiro, entre outras atividades, inclusive musicais. Participou da história do rádio que, na época, ainda engatinhava. Foi contratado para trabalhar com o radialista Ademar Casé – considerado o inventor da cultura do entretenimento de massas no país – num programa na antiga Rádio Philips, passo que o projetou no meio artístico.
Emprestou o brilho especial de sua interpretação para canções que se tornaram inesquecíveis, como “Minha Palhoça”, gravada em 1935, “Maria”, em 1936, “Pastorinhas” e “Meu Limão meu Limoeiro”, em 1937, “No Rancho Fundo”, em 1939, “Modinha”, em 1944 e muitas, muitas outras. Como se não bastasse, além de grande cantor, Silvio compôs canções que fazem parte da história da nossa música. Clássicos como “Chão de Estrelas” e “Serenata” feitas em parceria com o grande Orestes Barbosa.
Quando criança, eu gostava de pegar os discos de vinil dos meus pais, escolher, encaixar no prato da velha e boa vitrola para ouvir Silvio Caldas cantar, “Samambaias na varanda/ muitas flores no jardim/ as crianças em ciranda/ no meu bairro era assim / Vinha a lua de mansinho/ quanta paz nos corações/ e depois vinha o velhinho/ que acendia os lampiões / Este quadro da cidade/ hoje não existe mais/ Só existe é na saudade/ dos meus tempos de rapaz / Minha rua, tão tranquila/ não tem lua não tem céu/ Onde era a minha vila/ hoje é um arranha-céu.”
Ouvia só para me conectar com a saudade que eu achava que era a dele e que, no futuro, temia que fosse a minha, pois na casa da minha avó, numa vila, existiam varanda, samambaias, crianças e flores. Foi, certamente, a minha primeira lição sobre “preservação ambiental.”
Aos poucos fui conhecendo histórias sobre o artista e o cidadão Silvio Caldas. Meu pai, também cantor (José Tobias), gostava muito dele como intérprete e, com a convivência, tornaram-se grandes amigos. Já se conheciam quando disputaram, no início da década de 1960, o “Festival Cinzano da Canção Brasileira” - meu pai defendendo a canção “A Seca”, de Vilma Camargo, e Sílvio Caldas “Velhos Carnavais”, de Antonio Bruno. José Tobias foi o vencedor da disputa, numa final no Theatro Municipal de São Paulo. Sílvio imediatamente reconheceu o pleito, como um verdadeiro campeão deve fazer.
Muitas outras histórias engraçadas, interessantes e leves, como eram muitas das pessoas dessa época, foram contadas sobre ele, como suas habilidades na culinária, seus conhecimentos para recuperação física de atletas (ajudou Zizinho a se reestabelecer após uma fratura), entre outros conhecimentos que lhe renderam o carinhoso apelido de “Doutor Sabe-Tudo”, dado, segundo meu pai, por Ciro Monteiro, velho parceiro de Sílvio Caldas.
Tive a honra de conhecê-lo, ouvir de perto algumas de suas canções e mostrar algumas das minhas, recebendo dele um elogio que eu deixo para que outros contem, mas me orgulho, também, de ter um registro com foto publicado no jornal “O Fluminense”, na casa onde eu morava nos anos 1980, com samambaias na varanda, muitas flores no jardim e Titio Sílvio Caldas na sala cantando. No meu tempo era assim.