Espirituosa e dona do próprio nariz, Dolores Duran brilhou rápido, e para sempre 07/06/2022 - 13:30

Thobias de Santana

Existem estrelas cadentes que encantam os olhos e sequestram a atenção de maneira tão intensa que seu brilho e movimento continuam na nossa memória por uma vida inteira. Algumas cadentes, no escuro profundo da noite, iluminam a terra com a clareza do sol. Por pouco tempo, mas o suficiente para encantar e iluminar o caminho. E há pessoas que são exatamente assim.

Adiléa da Silva Rocha, nome artístico de Dolores Duran, nasceu no Rio de Janeiro em 7 de junho de 1930. Começou a cantar quando criança e, por seu talento precoce, aos cinco anos de idade já participava de festas populares, integrando um grupo de pastorinhas. Seu grande talento logo seria reconhecido com a vitória num programa de calouros do pianista, compositor, locutor e apresentador Ary Barroso. Cerca de dois anos depois, seu pai, que era sargento da Marinha, morre, o que de certa forma antecipou seu ingresso na profissão e nos compromissos que assumiu para cantar nas boates cariocas, onde passou a exibir seu grande talento.

Dolores, que se relacionava bem com artistas e cronistas, com apenas 22 anos gravou “Já não Interessa” e “Que Bom Será”, os primeiros de muitos trabalhos que viriam, consolidando, muito cedo, seu meteórico início de carreira. Do seleto time de mulheres desbravadoras, Dolores Duran foi aquela estrela de brilho mais intenso. Provavelmente foi grande influência para outra grande mulher, a cantora Maysa, que, acompanhada de seu pai no Clube da Chave, no Rio de Janeiro, conheceu, com aproximadamente 17 anos de idade, Tom Jobim e Dolores Duram, dois jovens que impressionaram tanto Maysa que ela chegou mesmo a registrar, num diário, esse fabuloso encontro.

Antes de se casar com Macedo Neto - Chico Anysio foi padrinho de casamento - Dolores Duran viveu livre. Dona do próprio nariz, abriu os próprios caminhos da forma que achou conveniente. Seu comportamento provavelmente incomodava aos que estavam acostumados com a mulher na condição de figurante ou, no máximo, uma coadjuvante.

Mas Dolores era muito mais. Além do canto magnífico, era também compositora. “Se é Por Falta de Adeus” foi sua primeira criação, em parceria com Tom Jobim, com quem comporia, também, “Por Causa de Você”. Dolores gravou ótimos discos no formato LP, além dos trabalhos no formato 78 rotações e compactos simples, com muitas canções de grandes criadores, como “Canção da Volta” de Antônio Maria e Ismael Neto e “Praça Mauá” de Billy Blanco, além da belíssima “A Noite do Meu Bem”, de sua autoria.

Existem muitas informações sobre Dolores Duran (ótimas fontes como o competente biógrafo Rodrigo Faour), suas lutas, sua sensibilidade, seu sprint criativo final, seu pioneirismo em campos diversos, seja compondo (é a compositora brasileira mais gravada na história), seja na adoção de sua filha, seja na peculiar militância, Dolores era singular, espirituosa e encantada.

Dolores enfartou aos 25 anos, mas sobreviveu. Enfartou aos 29, não resistiu.