Game Pokémon Go revela cantinhos escondidos de Curitiba 11/01/2023 - 15:43

Lucas Franco*

 

O jogo Pokémon foi lançado em 1996 no Game Boy, console portátil da empresa japonesa Nintendo, que fez muito sucesso na década de 1990. A ideia surgiu do japonês Satoshi Tajiri, que desde pequeno era apaixonado por colecionar insetos, e teve a ideia de um fazer um jogo a respeito dessa atividade. A concepção inicial do jogo previa coleta, treinamento e batalha dos seus insetos contra as espécies de outros treinadores. Com o tempo, Satoshi percebeu que se limitar apenas a insetos talvez não fosse tão atrativo. Logo, animais, objetos e até mesmo pessoas foram transformados em Pokémons, junção das palavras "Pocket Monsters" (monstros de bolso).

O sucesso foi imediato. Afinal, que criança não gostaria de ter seus próprios monstrinhos de estimação? Pokémon foi tão rentável aos envolvidos na criação que os 151 pokémons da “primeira geração” deram espaço a mais de 1000 criaturinhas diferentes ao longo do tempo, recebendo novos jogos e animações até os dias de hoje

Sair e caçar
Um dos sonhos dos fãs e jogadores da franquia sempre foi poder ter uma experiência na vida real próxima ao que era apresentado no mundo virtual. Sair por aí e caçar os seus "pets", treiná-los e evoluí-los, além de poder vê-los em seu cotidiano. Foi pensando nessa proposta que, em 2016, chegava aos consumidores Pokémon Go, jogo revolucionário para os padrões da própria empresa.

O game foi desenvolvido em conjunto com a Niantic, e disponibilizado para aparelhos Android e IOS. Sua jogabilidade consiste em caminhar pela cidade e encontrar os tais monstrinhos por aí, usando a câmera do celular com o recurso de R.A (realidade aumentada), que possibilita ver na tela os pokémons à sua frente, onde você estiver. O jogo ficou extremamente popular, até mesmo entre aqueles que não gostavam ou sequer conheciam a fundo a franquia.

Pokestops
Outra coisa que chama atenção são as mecânicas de "Pokestops", paradas onde você pode reabastecer seus itens e batalhar com outros jogadores. Esses locais são definidos usando localizações reais, já que o mapa do jogo é justamente o da vida real, gerado através de GPS e artifícios similares ao do famoso Google Maps. Murais artísticos, prédios históricos, universidades, igrejas, grafites, estátuas e muitas outras coisas do tipo tornam-se "poke-paradas". Praticamente obrigando os jogadores a levantarem do sofá e saírem por aí, já que para conseguir as recompensas você precisa obrigatoriamente estar próximo do local.

É justamente nesse quesito que o jogo brilha, já que além de muitas paradas serem pré-definidas pelo sistema, outras novas podem ser criadas pela própria comunidade, acrescentando fotos, informações, créditos e maiores descrições sobre o que é exatamente aquele local que você está visitando. Em Curitiba, por exemplo, é possível encontrar "Pokestops" muito interessantes, proporcionando um "redescobrimento" da capital paranaense através de um jogo eletrônico.

Pensando nisso, me propus a instalar o aplicativo e dar uma olhada na experiência que ele poderia me oferecer. Muitas das tais "paradas" eram em pontos turísticos, como a Universidade Federal do Paraná, Bosque Alemão, Passeio Público e entre outros. Tentei ir o mais fundo que pude na minha caminhada, e consegui de fato me deparar com locais que não são populares no Google Maps ou itinerários da cidade. Dentre as tantas descobertas que fiz em minha "Jornada Pokémon" pela capital paranaense, confira as mais interessantes:

 

Vó Nilda

Minha primeira parada foi no bairro Santa Cândida, na altura da Polícia Federal, quase perto da divisa com o município de Colombo. O aplicativo me levou até um grafite em frente a uma birosca, que lembra aquelas padarias de bairro. A arte representava um menino e seu cachorro, comprando algo de uma senhora em uma espécie de boteco.

A descrição da parada era "Armazém Vó Nilda - Arte urbana em homenagem à matriarca do bairro". Ao conversar com alguns moradores da região, descobri que a Vó Nilda realmente existiu, e assim como era descrito no jogo, ela foi uma das primeiras moradoras do bairro Santa Cândida, quando ele ainda era conhecido como Vila Borsatto e tinha pouquíssimas residências.

O local em questão fica na esquina da Rua Angelo Gulin com a João Mequetti, próximo do conjunto Paineiras. Inclusive, existe ali perto uma "poke-parada" em uma pracinha com cancha de areia. Lá, é possível encontrar uma placa comemorando a criação do Conjunto Habitacional Paineiras, que assim como muitos outros, foi uma tentativa do governo da cidade de remanejar a população curitibana, que crescia cada vez mais nas décadas passadas, para as áreas próximas da região metropolitana, afim de evitar uma "superlotação" e até mesmo moradias irregulares próximas do Centro.

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Casa de Coleções

Saindo do Santa Cândida, parti para um caminho mais familiar no bairro Boa Vista, já que moro pela região. Por lá, a funcionalidade do aplicativo brilhou novamente, já que descobri um local incrível perto de minha casa, do qual nunca ouvi falar. O jogo me levou até a Rua Brigadeiro Arthur Carlos Peralta, onde encontrei uma "poke-parada" em uma casa com pintura (curiosamente) de Pokémons.

O local é identificado como JBA Coleções, espaço onde os colecionadores de jogos de cartas e boardgames (jogos de tabuleiro) podem se encontrar para trocar e expor as suas coleções. Um local muito interessante para aqueles que gostam de jogos e coisas relacionadas ao tema.

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Estribo Ahú

Seguindo minha rota guiada pelo aplicativo, cheguei à divisa dos bairros Boa Vista, Ahú e Barreirinha. Na beira da Avenida Anitta Garibaldi fui direcionado a uma parada em uma estrutura diferente e quase esquecida para os padrões atuais. O local é resquício de uma época onde as linhas de ônibus não eram tão comuns, e a principal locomoção dos moradores do entorno do centro curitibano eram os trens de passageiros.

O estribo Ahú é uma das muitas estações ferroviárias localizadas na região norte de Curitiba. Além disso, o trajeto conduzia as locomotivas para a cidade de Rio Branco do Sul e, posteriormente ao Estado de São Paulo, provavelmente visando o tráfego de mercadorias que vinham de Paranaguá e de todo o litoral paranaense. A parada pertenceu à Estrada de Ferro Norte do Paraná, e foi inaugurada em 1909. Permaneceu em funcionamento como trem de subúrbio até 1991.

Atualmente, o ponto em madeira não serve mais como parada, já que a circulação ferroviária, além de ser extremamente reduzida, serve apenas para transporte de cargas. O Estribo Ahú é um resgate da história da cidade, de uma Curitiba ainda em desenvolvimento, da qual boa parte da população não podia se dar ao luxo de morar na região central, muito menos de ter um automóvel, então precisavam conviver com esses meios de transporte populares todos os dias. 

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Bosque Erwin Gröger

Fui direcionado até uma parada no Bairro Abranches, um pouco acima da Ópera de Arame. Lá, me deparei com uma parada em um bosque nomeado Erwin Gröger. Creio que muitos não têm noção de sua existência, mesmo estando perto de um ponto turístico tão importante e movimentado. No local de aproximadamente 3 mil metros quadrados, encontrei curiosamente uma enorme rosa dos ventos (bússola) desenhada no chão, além de uma escadaria circular que conduz até uma jardinete com inúmeras plantas exóticas e diversas pedras indicando as montanhas mais altas do Paraná.

Pesquisando mais afundo, descobri que o tal Erwin Gröger (1912-2008) foi um alpinista austríaco que se estabeleceu no bairro da Barreirinha. Ele trouxe consigo da Europa as práticas do alpinismo, além de ser pioneiro do montanhismo moderno no Brasil, a partir do Paraná. Ficou famoso também por ações de preservação de espécies vegetais encontradas em suas escaladas na Serra do Mar, deixando assim muito mais claras as influências e a importância deste pequeno bosque para a cidade.

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Jardinete Chafic Curi

No bairro Vista Alegre, o aplicativo me direcionou a um portal em madeira pequeno e excêntrico, com uma bicicleta e os escritos "eu amo Curitiba". Logo achei se tratar de uma espécie de loja de souvenirs da cidade, mas estava enganado. Uma estreita viela na Rua Chafic Curi, deu espaço a uma bela jardinete com flores e decorações remetentes à música, literatura, mensagens de positividade, reciclagem e muitos outros temas remetendo a conscientização e bem estar coletivo.

A rua foi completamente reformada e decorada pelos moradores da região, a fim de melhorar a questão visual do trecho, que estava completamente abandonado. Atualmente a jardinete conta com uma "GelaTeca", uma geladeira doada pelos vizinhos e recheada de livros, da qual os visitantes podem pegar, trocar, doar e sempre manter o estoque cheio, visando uma maior propagação do hábito da leitura, sobretudo entre as crianças. Durante as várias épocas festivas do ano, a rua recebe diferentes decorações, ficando com visual natalino, de páscoa, dia das bruxas e até mesmo em alusão ao novembro azul, tudo feito pelos moradores.

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80 milhões de caçadores
Em seu lançamento, o aplicativo chegou a atingir 500 milhões de downloads nas lojas virtuais de celulares. Contudo, o game foi perdendo muitos usuários com o passar do tempo. O declínio se deu principalmente durante os dois primeiros anos de pandemia, já que os lockdowns e isolamentos sociais afetaram diretamente a proposta do jogo, que consiste, basicamente, em sair de casa.

Apesar de tudo, o site Active Player conseguiu uma compilação de dados recentes do aplicativo em comparação com os anos próximos ao lançamento (2016). Mesmo com a queda de usuários, estima-se que em 2022 aproximadamente 80 milhões de pessoas ainda se divertiam com o jogo mensalmente.

Pokémon Go é a prova que jogos eletrônicos podem e devem proporcionar um contato mais aprofundado com a nossa cultura. Se até mesmo um game asiático pode me fazer conhecer locais incríveis que mereciam maior reconhecimento em minha própria cidade, pense no que seria capaz um jogo nacional justamente com esse propósito. 

 

*Estagiário sob supervisão de Cristiano Castilho.