Germano Mathias, aos 88, segue fazendo e ressignificando sambas 02/06/2022 - 09:00

Thobias de Santana

Palavras e frases ganham significados novos assim como o conhecimento e a sensibilidade revelam os verdadeiros significados (e intenções) no uso de certas palavras. No Rio de Janeiro, por exemplo, existia no século XIX uma dançarina italiana que, considerada avançada para a época, foi proibida de se apresentar.

A proibição gerou protestos dos estudantes que se reuniram para caminhar reivindicando liberdade para a dançarina, bradando seu nome repetidas vezes. Quando isso acontecia, as pessoas comentavam: “BADERNA!”. E o termo Baderna, passou a significar “bagunça”, “tumulto” ou “confusão”. Tudo isso pelo fato do nome da dançarina ser Marietta Maria Baderna. Ou seja, a palavra baderna, antes desse episódio, não significava absolutamente nada, além de um sobrenome estrangeiro.

Da palavra para o gesto, muitos cresceram vendo Cyro Monteiro encantando plateias com seu samba no gogó e na caixa de fósforos. O Formigão - apelido do Cyro - impressionava com seu ritmo e competência, sendo inspiração para muitos sambistas que, de certa forma, imitavam sua performance diferenciada.

Alguns anos mais tarde, em São Paulo, surge um sambista que ficaria conhecido também por seu desempenho no ritmo utilizando a tampa de uma lata de graxa. Era Germano Mathias que pedia passagem. O compositor, que completa 88 anos, iniciou suas andanças participando das rodas dos engraxates em São Paulo. Dominava o tamborim e foi da “Ala das Frigideiras” na bateria da Escola de Samba Rosas Negras, dominando, também, a frigideira como instrumento de percussão.

Germano nasceu em São Paulo no dia 2 de junho de 1934. Venceu em 1955 um programa de calouros da Rádio Tupi chamado Caravana da Alegria, apresentado por J. Silvestre, Cláudio Luna e Élcio Álvares, passando a integrar o quadro de profissionais da citada rádio.

Sendo um dos maiores representantes do samba de São Paulo, transitou por todos os caminhos do gênero, dos menos aos mais tradicionais. Fazendo bonito sempre, com energia impressionante, criatividade e um humor próprio de quem gosta do tal do samba, pois quem gosta de samba, todo mundo sabe, é bom sujeito. 

Mathias ganhou em 1957 o troféu Roquette Pinto de revelação masculina, idealizado pelo apresentador e produtor Blota Júnior. Gravou Zé Ketti, lançou vários trabalhos no formato “LP” como: “Ginga no Asfalto”, “O Catedrático do Samba” (que virou quase um título, que sempre sucede seu nome), “Tributo a Caco Velho”, entre muitos outros. E participou de filmes e novela.

Seu primeiro sucesso foi “Minha nega na janela”, uma canção também gravada pelo imortal Gilberto Gil no álbum “Antologia do samba-choro”, nos anos 1970. Olhar hoje para esta letra, nos revela como éramos, no mínimo, desatentos com questões que envolviam o racismo e o machismo. E como, vide Baderna, as palavras são ressignificadas conforme os tempos, os contextos, inclusive entre maiúsculas e minúsculas. Mas a questão fundamental é: O que fazemos com o conhecimento quando tomamos posse dele? Em entrevista para o craque Guilherme Vergueiro, em seu canal no Youtube, Germano falou que não canta mais a composição. “Porque ficou racista a música, né? Naquela época todo mundo dava risada, mas hoje em dia não canto mais 'minha nega na janela?', declarou, em tom sério.

Esse é Germano Mathias, que recentemente lançou “Já Foi Meu Carnaval”. Um artista com sensibilidade para compreender as mudanças que o tempo e o conhecimento trouxeram, e que a empatia propicia enxergar melhor. Noutros termos, o combate à ignorância previne badernas. Quero dizer, quando o conhecimento é bem empregado, não há contra o que protestar. Vamos em frente Germano, o nosso carnaval não vai acabar nunca.