João da Baiana introduziu o pandeiro no samba e nasceu para ser único 17/05/2022 - 13:20

Thobias de Santana

Há pessoas que andam, mesmo sem pernas, e voam, mesmo sem asas, e assim se fortalecem na adversidade. Parece que estamos falando das dificuldades da afirmação da nossa cultura e, de certa forma, é verdade. Porque estamos falando de João da Baiana. Pode parecer um resgate de uma história e de um nome antigo, mas o mérito é do João, que nasceu em 17 de maio de 1887 e desenhou a sua trajetória sem que lhe dessem régua e compasso.

No dia 28 de setembro de 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, que supostamente impediria que os filhos de mulheres escravizadas, nascidos após essa data, permanecessem na condição de escravizados. Dentro dessa vergonhosa realidade, que beneficiava pequenos grupos de poder nascia, um ano antes da assinatura da Lei Áurea, ¨meio livre¨ e no Rio de Janeiro, o instrumentista, cantor, compositor João da Baiana, o grande ritmista.

João foi o único, entre os 12 filhos de Félix José Guedes e Perciliana Maria Constança, que nasceu no Rio de Janeiro. Todos os outros raiaram na Bahia. Embora alguns irmãos demonstrassem dons artísticos, João foi o único que chamava a atenção de sua mãe por sua habilidade com os ritmos e batucadas, como o samba e os dos cultos afro-brasileiros, como o candomblé.

Evidentemente não era o único João da região, mas por ser a sua mãe baiana, os vizinhos passaram a identificá-lo como o João da Baiana. Trabalhou como ajudante de cocheiro no 2º Batalhão de Artilharia, cujo comando era de Hermes da Fonseca, que seria pouco tempo depois Marechal e Presidente da República. Ainda quando criança, passou a ter interesse pela pintura e pelo pandeiro, se destacando nas rodas de samba da meninada, por ser o melhor com o instrumento.

João da Baiana teve como amigos de infância os também compositores Donga, autor de "Pelo Telefone" – considerado o primeiro samba gravado - e Heitor dos Prazeres, que compôs “Canção do Jornaleiro”, entre outras tantas.

Construiu o seu caminho num território inóspito para não brancos, não católicos e não educados nos melhores estabelecimentos de ensino. Um rapaz como ele, portando violão e pandeiro, era quase uma ameaça. Porque a intolerância, a perseguição e o preconceito alcançavam quase tudo que não fosse de origem europeia. Samba, Capoeira, Candomblé, Violão, Pandeiro e pretos eram algumas das vítimas dos "donos do país" na época. Mas João da Baiana, só com tinta preta e branca nas mãos, coloria com ritmos as canções da época de forma tão intensa, que a própria ignorância mudou de tom. Não virou um paraíso, evidentemente, mas a ignorância, mãe de todos os preconceitos, entrou num ritmo diferente.

A prisão e o presente
Um episódio famoso ocorrido com o ritmista foi a apreensão, pela polícia, do seu pandeiro, o que o impediu de comparecer numa festa na qual tocaria o instrumento. Um senador influente da época, fã do João da Baiana, quis saber a razão de sua ausência e, sabendo da apreensão, deu-lhe de presente um novo pandeiro, com dedicatória que revelava a sua admiração pelo ritmista, o que inibiu e evitou novas apreensões.

João da Baiana compôs várias canções como “Cabide de Molambo”, “Batuque na Cozinha“, e “Mulher Cruel”, esta em parceria com Pixinguinha e Donga. Compôs outras que revelavam a influência religiosa, como “Lamento de Iansã“, “Cachimbo da Vovó“ e “Amalá de Xangô.“

Além de exímio pandeirista - foi o responsável por introduzir o instrumento no samba - era famoso pela performance com o prato e a faca, utilizados pelo ritmista como verdadeiros instrumentos musicais. Não podemos esquecer que, se tivemos Jackson do Pandeiro, Naná Vasconcelos e muitos outros, foi pela resistência de gigantes como João da Baiana, que servia ritmo num belo prato quente.