John Wick 4 é uma ode sádica, e interminável, à testosterona 16/03/2023 - 09:55

Beto Pacheco

       

O samba de Aluisio Machado, ‘Minha Filosofia’, diz que “Tudo que é muito, é demais” e que “remédio que cura também pode matar, como água demais mata a planta”. E se tem algo que o ‘John Wick 4 - Baba Yaga’ (Chad Stahelski) faz é matar a planta. Aliás, matar tudo. Se bobear, até o que é inanimado. Paredes, automóveis e latas de lixo não saem incólumes. Só o cãozinho - sim, ele está lá -, não tão amistoso dessa vez, terá alguma chance. O quarto filme da franquia traz Keanu Reeves no papel do já conhecido assassino brutal, impiedoso, com sede insaciável de vingança e, convenhamos, à prova de balas. Aliás, temos em cena os assassinos mais desprovidos de mira da História. Ah, sim, a estreia está prevista para o dia 23 de março em todo o Brasil

Agora, se no primeiro longa-metragem da série (2014) havia um propósito e o roteiro organizava melhor o pretexto (você se lembra… o cãozinho), com inovações, em filmes de ação, de ângulos de câmera e também nas coreografias de luta, o quarto episódio é simplesmente a extrapolação absurda, exaustiva e desproposital, em torturantes 2 horas 50 minutos, da violência pela violência. 

E olha que essa avaliação não está na conta de ser, por si só, do gênero ação, ou do gênero de (anti) heróis. Longe disso. Violência faz parte do jogo. Afinal, ‘Duro de Matar’, ‘Kill Bill’, ‘Em Ritmo de Fuga’ e tantos outros estão aí, em qualidade, para provar o contrário. O problema de ‘John Wick 4 - Baba Yaga’ é que “Tudo que é muito, é demais”. E o roteiro é, simplesmente, tiro na cara, porrada e, dessa vez, espadas samurais sem refresco. Aliás, com exceção à filha do personagem Shimazu (Hiroyuki Sanada), só homens entram nessa orgia de assassinatos. Uma ode sádica à testosterona.     

Eu já havia ido a nocaute, exausto, na primeira meia hora e achei que o filme ia terminar pela metade por falta de personagens. Seria melhor.

Carlos Bramesco, crítico do jornal The Guardian, faz uma boa referência ao lembrar de uma das últimas cenas, quando Wick cai e recai, eternamente, arremessado por um inimigo de uma escada de 222 degraus, da famosa Rue Foyatier de Paris. “A quantidade absurda de tempo gasto observando-o rolar de volta pelo caminho que acabou de subir se transforma em sua própria piada inexpressiva de Sísifo”, diz Bramesco.

Nessa hora, eu torcia com todos os meus músculos e tendões para que ele não se levantasse mais. Não fui ouvido. 

O rastro de sangue passa por Nova York, Osaka, Berlim e Paris. Há cenas de massacre que acontecem dentro de baladas e nas ruas da capital francesa ao lado de cafés. Em ambos os casos, as pessoas em volta nem se mexem. Seguem dançando e comendo um croissant enquanto nosso assassino indestrutível, com seu terno à prova de balas, dá tiros na cara de seus algozes a um palmo de distância. 

Mesmo em uma cena onde o ângulo da câmera faz você tentar voltar sua atenção à tela, quando, em uma igreja abandonada, a perseguição - e, óbvio, matança - é filmada de cima, como se o prédio não tivesse um telhado, mostrando diversos cômodos e personagens simultaneamente, mesmo aí, a repetição desenfreada de coreografias de luta e cartuchos sendo descarregados faz com que você solte suspiros de aflição. "Ai, ai, isso não vai acabar nunca". E dê-lhe tiros. 

Algo que, no primeiro longa da franquia, era equilibrado com um roteiro com lógica, dessa vez é a redundância pela redundância. Bem lembrou Bramesco em seu artigo: “Roger Ebert (crítico de cinema, morto em 2013 - não por Wick, acho) declarou de forma memorável que nenhum bom filme é muito longo. Seu argumento não é que a diversão pode durar para sempre, mas que uma história bem contada leva o tempo que for necessária”.

E essa levou tempo demais, tampouco foi bem contada.