Johnny Alf – para quem se importa com o que (h)ouve 19/05/2022 - 08:00

Thobias de Santana

Existem algumas reflexões recorrentes aos mortais mais comuns, como este que vos escreve, no sentido de saber: acontecimentos ruins podem gerar coisas boas? Nascer com um dom é uma vantagem absoluta? É preciso ter méritos para reconhecer mérito no outro?

Essas análises surgem mais robustas quando lembramos de nomes como Alfredo José da Silva, compositor, cantor e pianista conhecido como Johnny Alf, que nasceu no Rio de Janeiro em 19 de maio de 1929 e muito cedo começou seus estudos no piano clássico, iniciando a lapidação do precioso dom que recebeu.

O clássico associado ao interesse pelas canções populares do cinema americano logo o levariam, aos 14 anos, à formação do seu primeiro conjunto. Alf era fã da música de Frank Sinatra e Dick Farney, sendo, inclusive, fundador do “Fan Club” desses cantores. Recebeu o nome artístico para tocar no programa sobre jazz de Paulo Santos, na Rádio MEC, gênero pelo qual tinha grande afinidade e influenciaria sua obra repleta de fusões geniais.

Os caminhos pareciam bons para um menino que perdeu, tão cedo, o pai. Sua mãe, lavadeira, precisou transferir a missão de educar para uma família para a qual trabalhava, fato que mudou completamente os destinos do cantor. A vida seguia seu curso, com modulações surpreendentes, mas o protagonista dominava as harmonias com incomum habilidade.

Quem diria que aquele rapaz com 23 anos de idade, estreando no programa do radialista César de Alencar, logo gravaria o seu primeiro disco (78 RPM) e faria uma carreira com conteúdo extraordinário, sendo fundamental, inclusive, na criação do movimento Bossa Nova. “Rapaz de bem” é considerada uma das primeiras canções da Bossa Nova e inspirou “Desafinado”, segundo o autor Tom Jobim.

Johnny Alf, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, foi um artista de presença obrigatório nas mágicas noites brasileiras, desde as suas mais remotas apresentações nas casas noturnas do Beco das Garrafas, em Copacabana.

Lançou trabalhos muito importantes, no formado LP, como “Ele é Johnny Alf”, “Nós”, “Rapaz de Bem” e “Diagonal”, este considerado por Alf como um dos seus melhores discos e no qual, curiosamente, não tocou piano em nenhuma das faixas.

Existe um quase consenso no sentido de que Alf foi injustiçado e não desfrutou em vida do prestígio merecido, não sendo, também, devidamente reverenciado após a sua partida no dia 4 de março de 2010. Não há consenso, contudo, quanto às causas, se preconceito (em que medida), se racismo (com que intensidade), se despeito, inveja ou vaidade.

É que Johnny Alf influenciou a música do seu e dos novos tempos, inspirou movimentos e músicos importantes como Carlos Lyra, Roberto Menescal e Tom Jobim, que o chamava carinhosamente e com justiça de “Genialf”. Escreveu canções como a admirável “Eu e a Brisa”, gravada e cantada inúmeras vezes por grandes nomes da música brasileira, da envergadura de Caetano Veloso, Alaíde Costa, Emílio Santiago, Tim Maia, João Gilberto, Márcia e Maysa.

Esse Genialf artista certamente não foi reconhecido como deveria. Tudo bem que ele próprio revelou que passou longo período sem gravar novos trabalhos por existir um “entendimento” de ser ele um artista pouco comercial. Alf chegou a admitir que sua música é difícil em decorrência da escala modulada que utilizava e que não era, na época, bem-aceita pelas gravadoras. Mas seria só isso mesmo? Desconfio que não! Mais provável que a melhor instrução do coletivo seja a salvação do gênio Johnny Alf.