Nelson Gonçalves, o Rei do Rádio, viveu baixos revoltosos e altos brilhantes 21/06/2022 - 10:20

Thobias de Santana

Alguns levam tão ao pé da letra a máxima Caetaniana “Gente é Pra Brilhar”, que acabam por fazer inveja ao diamante mais puro e bem lapidado. Carlos Drummond de Andrade, por outro lado, alertou: “no meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho.” Assim é a nossa vida, com altos e baixos. Mas Nelson Gonçalves experimentou o céu e o inferno de uma forma intensa.

Gaúcho de Santana do Livramento, o cantor e compositor nasceu há 103 anos, no dia 21 de junho de 1919. Participou de vários programas de calouros e testes em rádios até gravar, aos 22 anos, o seu primeiro disco, com um samba do mestre mineiro Ataulfo Alves, “Sinto-me bem” e uma canção da dupla França e R. Montello, “Se eu Pudesse um Dia”. Em muito pouco tempo Nelson já era detentor do título de Rei do Rádio. Em 1945 lançou o samba de sua autoria com Heitor dos Prazeres, “Até que Enfim, Favela”.

Considerado por muitos um dos melhores cantores do Brasil, Nelson tem histórias inusitadas. Uma delas foi num teste com o conceituadíssimo compositor e radialista Ary Barroso, que apresentava o “The Voice” da época - mas sem as cadeiras. Nelson Golçalves foi ao Rio de Janeiro enfrentar o teste e, ao final, Ary perguntou: “rapaz, o que você faz em São Paulo? Nelson respondeu que “jogava boxe”. Seu Ary, então, num ataque de sincericídio, aconselhou: “vá pra São Paulo jogar boxe que você não canta NADA!” Apesar da ênfase de Ary Barroso, Nelson não seguiu o conselho e insistiu no sonho. O homem cantava muito.

Seguindo a sua, até então, vitoriosa carreira, Nelson gravou canções que se tornaram grandes sucessos, como “Teu Retrato”, “Segredo”, “Marina”, “Normalista”, “Perambulando”, “Última Seresta” entre tantos outros, sendo alguns de sua autoria, como “Nem Coberta de Ouro”, composta em parceria com Antônio Elias, e “Fala Por Mim Violão”, com Luiz de França.

Naquela época eram comuns os deslocamentos de artistas para outras cidades, não apenas para os shows, mas, também, para as apresentações nas rádios das principais cidades do país. Nelson viajou muito, não só para diversos municípios brasileiros como, também, para outros países, como Argentina, Uruguai e Estados Unidos.

Cantor de muitos recursos, cantava tudo, de samba a tango, e ótimas composições de vários e grandes autores. São diversas as gravações de Nelson Gonçalves nas décadas de 1950, 1960 e 1970 e outros trabalhos, com intervalos maiores, nas décadas de 1980 e 1990.

Segundo dados do Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira, Nelson Gonçalves foi “contratado exclusivo da RCA Victor, onde gravou cerca de 120 LPs e 20 CDs. Vendeu cerca de 50 milhões de discos e recebeu 15 discos de platina e 41 de ouro.” Esses dados, isoladamente, já seriam suficientes para demonstrar a importância e o tamanho desse artista e a razão de ser ele considerado o “Rei do Rádio.”

Durante o percurso alguns pequenos obstáculos foram surgindo, mas a pedra, aquela do Drummond, para Nelson, veio em pó. Nelson Gonçalves relata sobre um sujeito que lhe apresentou a cocaína como solução para o cansaço que sentia e ele próprio relata que, “como trouxa, entrou de gaiato”. Recebeu de graça durante uns 15 dias, depois passou a pagar pela droga, chegando ao ponto de ficar totalmente dependente. Resultado: o trabalho, o dinheiro, os apartamentos e carros viraram pó.

Ele conta que uma nova companheira, que chegou a levar coronhadas dele, dormia com Nelson no chão, os dois cobertos apenas por folhas de jornal, e comiam o que a empregada de um vizinho mandava. Após ser preso e chegar no fundo do poço, decidiu enfrentar, sem ajuda, o vício, e entrou em guerra contra o inferno.

Não foi nada fácil, mas Nelson Gonçalves venceu a sua guerra particular. Com música, derrotou o inferno e todos os demônios que o atormentavam. Foi em 1967 que lançou o disco “A Volta do Boêmio”, trabalho que representou uma retomada na carreira do gaúcho. Sucesso de vendas, o álbum de 12 faixas recolocou o cantor nas paradas de sucesso.

Nelson viveu ainda um bom tempo para se orgulhar do seu passado, da sua arte, dos seus muitos momentos de glória, de sua família, sua força e determinação. Assumiu, com ele mesmo, o compromisso de alertar sobre o grande risco de se fazer determinadas viagens, pois remover esse tipo de pedra do caminho talvez seja comparável aos 12 trabalhos de Hércules.