Nova música de Chico Buarque propõe samba simbólico "para zerar o jogo" 17/06/2022 - 11:24
Depois de Caetano Veloso nos alertar, em lançamento do ano passado, que “Sem samba não dá”, agora é outro gigante da nossa música que procura restabelecer o gênero, raiz de nossa cultura, como um bálsamo, uma jangada a buscar mares menos borrascosos. Um samba para “alegrar o dia, para zerar o jogo”. Estou falando da nova música de Chico Buarque, “Que tal um samba?”, que chegou hoje ao mundo, feita de forma orgânica, mas por meio das onipresentes (valei-me…) plataformas digitais. Torço para que chegue também, a seu tempo, às rodas de bambas.
“Que tal um samba?” batiza a próxima turnê do compositor, que já tem duas apresentações confirmadas em Curitiba, no Grande Auditório do Teatro Guaíra, nos dias 23 e 24 de setembro. Os ingressos começam a ser vendidos no dia 1º de julho.
Dado o serviço e voltando ao papo sobre esta criação, a pergunta no título da composição pode parecer retórica, ainda mais no país de Caymmi - “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é”. Mas só parece. Na verdade, não é uma pergunta solta, é um convite. Um resgate. É o samba como peça do quebra-cabeça que é a nossa alma, a mesma que, se for bem tratada, há de florir novos tempos. Ou seja, é o samba, além do aspecto explícito da letra (que com Chico raramente o é), sob um prisma simbólico, identitário. A solitária nova canção do carioca (não usarei “single” em respeito a Suassuna) é o ancestral batuque dos orixás, que “espantam tempo feio e remediam o estrago”.
É bem verdade que a melodia e o ritmo desta estão longe da força de “Apesar de você”, pilar de sua obra e que, em 1978, foi fundamental grito de basta. Ou da exaltação de "Vai passar" (1984), cujos paralelepípedos, naquele ocaso da ditadura, celebravam o arrepiar e já cantavam os "sambas imortais", inclusive os de Chico.
Agora está mais para um mantra a ser repetido à exaustão, mas, infelizmente, com o mesmo intuito: expurgar o mal que teima em retornar e nos cravar os dentes. Causou-me curiosidade também o arranjo, que provoca com a toada do contrabaixo, de fundo, a lembrança de ritmos latinos. Uma salsa de salão, à moda Buena Vista, na parte "A" da melodia, caindo no samba na "B", e se alternando até o fim. Conversa melódica entre povos irmãos que, muitas vezes, não se reconhecem, mesmo que dividindo fronteiras de dores e amores.
Aliás, se tivesse a oportunidade de me encontrar com o compositor - nosso maior artista vivo -, perguntaria se, com a experiência adquirida ao longo desses 78 anos (que ele completa neste domingo, dia 19) ficou mais fácil (ou não) se sentar para compor uma música de confronto, visando “juntar os cacos e ir à luta/ manter o rumo e a cadência/ esconjurar a ignorância”.
É que deve cansar, né?
Porém, mesmo que canse - e cansa - é preciso. E se temos o gênio de Chico Buarque a nos ladear, a luta fica mais leve. Mais: se com um Holanda já é bom, com dois é ainda melhor, pois é Hamilton de Holanda que faz a cama musical com seu bandolim de sonho.
De fato, tê-lo de volta à música, quatro anos longe dos palcos, cinco sem gravar nada inédito, é a melodia que nos faz assoviar rumo a um futuro cujo destino está além do fator querer, é porque merecemos. Portanto, vou buscar meu pandeiro e me juntar a ele para…
Puxar um samba legal
Puxar um samba porreta
Depois de tanta mutreta
Depois de tanta cascata
Depois de tanta derrota
Depois de tanta demência
E voltar a cantar. Que tal? Vai passar.
QUE TAL UM SAMBA?
(Chico Buarque)
Um samba
Que tal um samba?
Puxar um samba, que tal?
Para espantar o tempo feio
Para remediar o estrago
Que tal um trago?
Um desafogo, um devaneio
Um samba pra alegrar o dia
Pra zerar o jogo
Coração pegando fogo
E cabeça fria
Um samba com categoria, com calma
Cair no mar, lavar a alma
Tomar um banho de sal grosso, que tal?
Sair do fundo do poço
Andar de boa
Ver um batuque lá no cais do Valongo
Dançar o jongo lá na Pedra do Sal
Entrar na roda da Gamboa
Fazer um gol de bicicleta
Dar de goleada
Deitar na cama da amada
Despertar poeta
Achar a rima que completa o estribilho
Fazer um filho, que tal?
Pra ver crescer, criar um filho
Num bom lugar, numa cidade legal
Um filho com a pele escura
Com formosura
Bem brasileiro, que tal?
Não com dinheiro
Mas a cultura
Que tal uma beleza pura
No fim da borrasca?
Já depois de criar casca
E perder a ternura
Depois de muita bola fora da meta
De novo com a coluna ereta, que tal?
Juntar os cacos, ir à luta
Manter o rumo e a cadência
Esconjurar a ignorância, que tal?
Desmantelar a força bruta
Então que tal puxar um samba
Puxar um samba legal
Puxar um samba porreta
Depois de tanta mutreta
Depois de tanta cascata
Depois de tanta derrota
Depois de tanta demência
E uma dor filha da puta, que tal?
Puxar um samba
Que tal um samba?
Um samba
Participação especial / Feat Hamilton de Holanda
Voz e violão: Chico Buarque
Bandolim - Hamilton de Holanda
Violão: Luiz Claudio Ramos
Piano - João Rebouças
Baixo - Jorge Helder
Bateria e percussão: Jurim Moreira
Percussão - Thiago da Serrinha
Gravado e mixado no estúdio Biscoito Fino por Lucas Ariel
Masterizado no estúdio Batmasterson por Luiz Tornaghi
Produção musical: Luiz Claudio Ramos
ROTEIRO DA TURNÊ 2022/2023
JOÃO PESSOA – Teatro Pedra do Reino
Dias 06 e 07 de setembro
NATAL – Teatro Riachuelo
Dias 09 e 10 de setembro
CURITIBA – Teatro Guaíra
Dias 23 e 24 de setembro
BELO HORIZONTE – Palácio das Artes
Dias 05, 06, 07 e 08 de outubro
FORTALEZA – Centro de Eventos do Ceará
Dias 22 e 23 de outubro
PORTO ALEGRE – Auditório Araújo Vianna
Dias 03 e 04 de novembro
SALVADOR – Concha Acústica
Dias 11, 12 e 13 de novembro
BRASÍLIA – local a ser anunciado
Dias 29 e 30 de novembro
RECIFE – Teatro Guararapes
Dias 08, 09 e 10 de dezembro
RIO DE JANEIRO – Vivo Rio
De 05 a 15 de janeiro (quinta a domingo)
SÃO PAULO – Tokio Marine Hall
De 02 a 12 de março; de 23 de março a 02 de abril (quinta a domingo)