Novo álbum do Dead Fish realça pensamento coletivo no embalo do punk e do hardcore; confira entrevista exclusiva 09/02/2024 - 09:45

Eric Rodrigues*

Um dos nomes mais importantes do hardcore brasileiro, o Dead Fish lança o seu décimo álbum de estúdio, “Labirinto da Memória” (Deckdisc). Conexão, legado e memória, tudo isso misturado com hardcore, punk e melodia. Esses são os ingredientes que, combinados, resultaram num álbum maduro, profundo e otimista, com foco na história da América Latina e seu povo. Em “Labirinto da Memória”, o olhar do micro para o macro é uma forma de compreender quem somos a partir das nossas experiências. É uma “intropologia” social - confira entrevista Spotify aqui.

Para os íntimos, esta é mais uma obra-prima; para os recém-chegados, este é um bom momento para conhecer a banda e um novo disco para se descobrir. Segundo os integrantes, “este álbum é uma mistura de retrospecto, novos planos e novas aventuras coletivas”. As composições foram inspiradas no livro “Realismo Capitalista”, de Mark Fisher, e tratam da nossa história cotidiana e coletiva, da eterna tentativa de sermos aquilo que sempre desejamos ser. Não apenas um país grande, mas um grande país, como sugeriram Darcy Ribeiro e outros tantos pensadores sul-americanos.

No que diz respeito ao som, o disco vai além das bases convencionais e nada nas praias do trashcore na faixa “Bolero”, experimenta o noise em “Você Conhece Pistóia?” e se desenvolve no progressivo na faixa que dá nome ao disco. Em outras canções, como "Adeus Adeus", "Dentes Amarelos", "Avenida Maruípe" e "Criança Versus Criança", os movimentos rápidos e precisos seguem o metrônomo modelo do hardcore melódico, nos moldes do 7 Seconds, banda lendária da cena americana que é uma das principais influências do Dead Fish.

Rodrigo Lima concedeu uma entrevista exclusiva à Rádio Educativa FM. Conforme o cantor e compositor, este disco é uma análise das experiências vividas no passado com os nossos dilemas atuais. Rejeitando a nostalgia, Rodrigo enfatiza a importância de revisitar as lembranças para compreender diversos aspectos individuais e coletivos que moldam a personalidade. Este registro, que abrange a relação entre pais e filhos, a religiosidade, as ditaduras, a cidade e outros tópicos, estabelece uma conversa franca e sincera com os ouvintes.

Um dos aspectos estabelecidos no disco aborda a relação entre pais e filhos na linha do tempo, notada em duas canções do disco, “49” e “Aos Poucos”. A primeira faixa trata da relação entre Rodrigo e seu pai, repleta de traumas. Na composição, ele relata sobre “crescer em crescente hostilidade” e, que, com palavras duras, lhe deformou. “Mas me ensinou a revidar. Revidei com silêncio… Sem saber que era essa a minha herança”.

Anos mais tarde, o lugar do seu pai foi ocupado por Rodrigo, já que, agora, ele também é pai. Isso motivou a composição de "Aos Poucos", que registra a inversão de papéis sociais. Logo que esse “legado” chegou ao mundo, ele assumiu a responsabilidade de protegê-la. Rodrigo agora compreende que o amor sufoca quem nos ama. “Enquanto vai parando de sonhar e se tornando pragmática, estou te dando o melhor”. Herança.

Rodrigo também contribuiu para o livro "Paternagem Punk: Ensaios Sobre Criação em Três Acordes”, publicado em setembro de 2022. Nesta obra, diversos escritores da cena discutem a criação de seus filhos no contexto da cultura punk e hardcore. “Consumismo, chegada do bebê e ‘entrada no mundo adulto’, educação emancipatória, crítica da criação autoritária, o pai trabalhador e seus dilemas, crítica da masculinidade tóxica, paternidade solo, aprendizado dos limites e da liberdade, medo de ser pai e conflitos geracionais”, diz a sinopse do livro.

Vivendo nos buracos do asfalto
Com uma carreira consolidada no cenário nacional, o Dead Fish é reconhecido pela intensidade de suas apresentações ao vivo e pelas letras engajadas, abordando questões sociais e políticas. Fundado por amigos envolvidos com o skate no Espírito Santo, em 1991, o conjunto passou por diversas mudanças na formação, e agora conta apenas com o vocalista, Rodrigo Lima, desde o princípio. Mesmo com essas questões, com mais de 30 anos no asfalto, a banda segue rodando o país munido de ideias e vontade de poder. Como o próprio compositor canta em “Asfalto”, sexta faixa do álbum “Contra Todos” (2009), “ninguém vai nos parar, não tente nos parar”.

Curitiba sempre foi uma parada obrigatória para o Dead Fish, e este vínculo permanece intacto desde os anos 90, quando a banda começou a fazer turnês pelo país. A capital paranaense foi o primeiro destino dos capixabas, marcando o início das conexões com outras cenas do punk, hardcore e skate. "Temos uma longa história com Curitiba e sempre contamos com uma rede de apoio. Então, tocar em Curitiba sempre é potente. Em alguns momentos, chegava até ao limite do racional", disse Rodrigo Lima.

A turnê do Labirinto da Memória já tem data confirmada em Curitiba. Será no dia 21 de abril, às 19h, no CWB Hall. Os ingressos já estão disponíveis no site bilheto.com.br. Apesar dos 33 anos de experiência na estrada e das inúmeras apresentações, o frontman admite o nervosismo pré-show. Para ele, este sentimento é uma prova genuína de que ainda faz sentido em seguir acreditando numa banda independente.  

*Estagiário sob supervisão de Cristiano Castilho