Paulo da Portela: o samba é o remédio 18/06/2022 - 16:00

Thobias de Santana

Quem não conhece Oswaldo Cruz? Famoso médico que erradicou a febre amarela no Pará; defendeu a obrigatoriedade, no Rio de Janeiro, da vacinação contra a varíola; descobriu o causador da doença de Chagas; combateu a peste bubônica isolando doentes e instituindo a notificação compulsória dos casos positivos, entre outras medidas. Oswaldo Cruz (1872-19717), de tão relevante, virou nome de Instituto, Praça, Centro Acadêmico, cidade (no estado de São Paulo), e bairro no Rio de Janeiro. E com esse currículo, tinha que dar em samba. Nem que fosse por contágio.  

É que Paulo Benjamin de Oliveira, que ficou conhecido como Paulo da Portela, nasceu no dia 18 de junho de 1901 - três anos antes ao episódio que viria a ser conhecido como a "Revolta da Vacina", a qual, por fim, demonstrou que Cruz estava com a razão. Mas voltando a Paulo, o da Portela, sua infância e adolescência foram no bairro da Saúde e Santo Cristo, ali entre a Gamboa e o Centro, região portuária e berço do samba carioca (e cenário da tal revolta). Aos 19 anos (três anos após a morte do famoso médico), com a expansão imobiliária do Rio, é obrigado a ir com a sua família para outro Oswaldo Cruz, o bairro. Uma área rural, aquela boa e velha roça, com chácaras, paisagem bucólica e sossego que só se encontra no interior, bem diferente do centro do Rio de Janeiro daquela época.

Paulo não conviveu com o pai, que abandonou a família quando ele e seus irmãos eram muito pequenos. Foi a mãe quem se desdobrou para manter a família e o próprio Paulo trabalhava entregando marmitas.

Oswaldo Cruz, que fica entre Madureira e Bento Ribeiro, era diferente, também, na cultura e no gosto musical. Enquanto no Centro o samba predominava, em Oswaldo Cruz eram comuns o Jongo e o caxambu.

O Samba naquela época, todos sabem, era tido como coisa de malandro, muito mal visto e seus adeptos não eram bem-vindos em lugares fora de onde o samba era praticado. O que nem todo mundo sabe é que Paulo da Portela é considerado o grande responsável pela mudança dessa realidade, fazendo com que o preconceito e a resistência contra o samba fossem rompidos e, com o tempo, desaparecessem. Portanto, além do nome dado ao novo bairro, são a luta contra preconceitos e a resistência popular os temas cujas histórias dos nossos dois personagens se esbarram. 

Paulo da Portela, já em Oswaldo Cruz, começa a sua rede de relacionamento com nomes como Antônio Rufino dos Reis, Antônio da Silva Caetano, Ismael Silva, Baiaco e muitos outros. Paulo participa e movimenta a cena cultural, que vai da fundação de bloco até a criação do Conjunto Carnavalesco Escola de Samba de Oswaldo Cruz. Ele era o porta-voz dos movimentos, e organizava os eventos. Criou com Cartola o programa “A Voz do Morro”.

Cantor e compositor, é dele, por exemplo, “Quem Espera Sempre Alcança”, “Pam-pam-pam-pam”, “Serei teu ioiô”, “Linda Guanabara”, “Teste ao Samba” e “Cocorocó”. Paulo da Portela, que tinha uma liderança natural por suas iniciativas, inteligência, simpatia e facilidade na comunicação, para emprestar dignidade ao sambista, primeiro, sugere que todos os dirigentes usem ternos iguais, todos muito elegantes. Introduz, no meio do samba, uma exigência: só frequentaria o grupo sambista “quem usasse sapato e gravata, todo mundo de pé e pescoço ocupados”.

O sambista, escritor e pesquisador Haroldo Costa comenta essa iniciativa do Paulo da Portela afirmando que “essa frase é um manifesto. Através de dois símbolos que a sociedade acha que impõe, [que supostamente remetem] à dignidade, à decência e ao respeito -, ele [Paulo] atraiu o interesse de todos os companheiros da época, sapato e gravata, dois ícones que a sociedade decidiu que são aqueles que definem a sua qualidade, sua decência e a sua moral”. Haroldo explica, ainda, que no caso específico de Paulo da Portela, “era muito mais do que isso, pois havia o talento e a semente da contribuição da cultura popular, a contribuição dos ancestrais, através de suas mais variadas matizes - vale muito a pena assistir o Documentário sobre o Paulo da Portela.

Paulo conquista uma importância nunca vista. Recebe, na Portela, Walt Disney e comitiva, numa grande festa que inspira o americano a criar o personagem Zé Carioca. Antes, em 1936, havia sido eleito o “Cidadão Momo”, e sua posse reuniu uma multidão com cerca de cem mil pessoas, algo inédito e, ainda hoje, difícil de se repetir. Também em 1936, num concurso do Jornal “A Rua”, Paulo foi eleito Cidadão-Samba. Para o jornalista e pesquisador Sérgio Cabral, Paulo da Portela foi “um dos maiores líderes populares que o Rio já teve”.

Vale muito mergulhar na história desse líder elegante, estrategista do bem e grande sambista Paulo da Portela, o grande brasileiro que da Saúde vai para Oswaldo Cruz, bairro com nome desse notável médico e, embora não seja da área da saúde física, Paulo da Portela foi, do seu jeito, um grande promotor da paz e da saúde emocional, unindo mundos diferentes, ensinando sobre autoestima e respeito e, principalmente, distribuindo samba de ótima procedência e qualidade. É ou não é um grande remédio?

 

Teste Ao Samba

(Paulo da Portela) 

 

Vou começar a aula

Perante a comissão, muita atenção

Que eu quero ver

Se diplomá-los posso

Salve o "fessô"

Dá nota à ele senhor

Quatorze com dois doze

Noves fora tudo é nosso

Cem dividido por mil

Cada um com quanto fica?

Não pergunte à caixa surda

Não peça cola à cuíca

Lá no morro

Vamos vivendo de amor

Estudando com carinho

O que nos passa o professor