"Till - A busca por justiça" não alcança, em narrativa, a força da história que retrata 09/02/2023 - 10:22

Beto Pacheco

Um retrato terrível da história americana. Um desfecho brutal. Um fato real, acontecido em 1955, no estado do Mississipi, nos Estados Unidos: o sequestro, tortura e assassinato de um jovem de 14 anos, Emmett Till, e o desenrolar da luta de sua mãe, Mamie Till Bradley, por justiça, cujos reflexos chegam aos dias de hoje. É sobre isso o longa-metragem “Till - A busca por justiça", dirigido pela nigeriana-americana Chinonye Chukwu, que estreia nesta quinta-feira (9) nos cinemas.

Emmett (interpretado por Jalyn Hall) viajou de sua casa, em Chicago, onde, à época, as questões raciais eram um pouco menos tensas (não que deixassem de estar lá, longe disso), para a pequena cidade de Money, no Mississipi - destino que era uma sentença de morte para muitas pessoas negras. Era uma viagem de férias, para visitar parentes. Antes da partida, sua mãe Mamie (Danielle Deadwyler) lhe disse para tomar cuidado no estado do Sul, onde o racismo imperava (e impera ainda). Certo dia, o garoto e seus primos pararam em uma loja de conveniência, onde a atendente e dona da loja, a branca Carolyn Bryant (Haley Bennett), alegou que Emmett “assoviou” para ela. Sim, esse foi o motivo. Mais tarde, dois homens brancos, Roy Bryant (Sean Michael Weber) e seu meio-irmão, JW Milam (Eric Whitten), raptaram o menino de dentro da casa do tio. Ele foi espancado e morto com um tiro. O corpo foi encontrado três dias depois em um rio, com um descaroçador de algodão de 32 quilos amarrado com arame farpado ao pescoço.

Mamie Till recebeu em Chicago o corpo destroçado e inchado pela decomposição. Vendo o estado do filho, ela decide que o velório seria com o caixão aberto, para que todo o mundo visse o que foi feito com ele. Neste ponto, o filme é explícito e literal. Não alivia para o espectador (e nem deve) e mostra em detalhes como ficou o corpo mutilado. Inclusive, reproduzindo fotos da época. Elas podem ser encontradas na internet e mostram o horror de um tempo que, infelizmente, continua a nos rondar, com negros sendo mortos pelo simples fato de serem quem são. 

O longa busca retratar o desenrolar dessa triste e atroz história. Desde os dias que antecedem o ocorrido, mostrando a relação amorosa de mãe e filho, até os resultados relativos ao crime, que levaram Mamie Till Bradley a lutar pela condenação dos assassinos e torturadores e, posteriormente, a se tornar uma ativista dos direitos civis. Ela se liga à NAACP - National Association for the Advancement of Colored People (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor). Fundada em 1905, a instituição já tinha bastante prestígio e laços por todo o país no ano em que Emmett foi morto.  

Achei por bem passar primeiro pelos fatos, antes de falar do filme em si, porque me parece que ele não está (falando meramente do roteiro) à altura da importância daquele ocorrido. É fato que a trajetória linear da narrativa, padrão na maioria das cinebiografias, é difícil de se furtar. Sim, estão lá as tradicionais informações, pós-fim, em tela preta, relativas ao que aconteceu com os principais personagens. Contudo, o desenrolar expositivo e cronológico enfraquece em certo tom a obra (apesar de haver picos de tensão e força realmente impactantes). O primeiro arco, que pretende deixar evidente o amor entre mãe e filho, é um pouco longo, arrastado. A interpretação de Danielle Deadwyler para Mamie Till é digna de destaque, porém, sua personagem está, desde o primeiro momento, em um espectro curto de sentimentos. Um estado de alerta constante, quase premonitório com o que acontecerá. Pode ser uma intenção de mostrar que tal dor, a da população negra e todos os males a ela cometidos em séculos, é algo perene, um medo sempre presente, mesmo em momentos de aparente calmaria (pré-tragédia). Mas isso pode diminuir as nuances possíveis à personagem. 

O longa, em estrutura, não está à altura, por exemplo, de “Mississippi em Chamas” (Alan Parker), para ficar no mesmo tema, mas tem um caráter psicológico relevante. Em especial porque tem a partir do elenco de atores negros, em sua grande maioria, o foco narrativo. Ainda mais em uma sociedade embrutecida por tantos e diários crimes raciais. Principalmente por se valer dos acontecimentos reais em que se baseia, cujos horrores reaquecem a indignação até para quem já conhecia a história. As pouco mais de duas horas de filme não são suficientes para esmiuçar a dor, o terror, a violência e o ódio disseminados pelo mundo - neste recorte, no Sul dos Estados Unidos -, fato, mas dão uma certa medida. Em seu caminho na busca por justiça, Mamie se depara com crianças sádicas e racistas desde tenra idade, fruto da sociedade em que vivem; com autoridades que a tratam, em pleno tribunal, com escárnio; com um universo de injustiças e arbitrariedades que, com o decorrer da narrativa, deixam claro, infelizmente, para ela e para o espectador, qual será o veredito.