Um Rei de Três Corações 02/01/2023 - 14:20

Thobias de Santana

Um Menino de Três Corações (MG) que cresceu, conquistou o mundo com uma bola e, na sua despedida do futebol, nos Estados Unidos, pregou, para que todos com ele repetissem: “Love, Love, Love” (amor, amor, amor). Pelé, aos quatro anos de idade, seguiu com a família para Bauru (SP), iniciou sua busca por um clube para treinar – conseguiu – e, com apenas 16 anos, virou titular do Santos, conquistando já na largada a artilharia do campeonato paulista, com 36 gols. Pelé iniciou a carreira já como um gigante. Não é possível qualificá-lo como fenômeno, esse foi o Ronaldo, um baita jogador. Aurélio Buarque de Holanda certa vez disse não existir um adjetivo para qualificar a voz do meu pai José Tobias. Mais do que justo e compreensível que eu tome emprestada a afirmação do nosso Aurélio para dizer que não temos um termo amplo e justo o suficiente para definir Pelé.

Não é possível medir a importância do atleta Pelé para o Brasil e para o mundo. O tamanho desse homem e de suas realizações é algo que não se pode dimensionar e raro de ocorrer em qualquer profissão ou atividade humana. Um ser que inspirou muitas gerações, que foi o responsável por emprestar ao futebol um brilho que não é comum aos esportes, o brilho da Arte, Arte com “A” de Amor, “A” maiúsculo. Uma Arte que jogadores como Zizinho desenharam com maestria, mas que Pelé concluiu a pintura dando-lhe cores e formas nunca sonhadas. Jogadores de futebol e de tantos outros esportes, nadadores, corredores de Fórmula 1, populares, porteiros, advogados, músicos, garçons, companheiros, adversários, presidentes e ex-presidentes de tantos países, líderes mundiais, parlamentares, religiosos, tratavam-no como Rei, o Rei Pelé. Nunca um brasileiro alcançou o que Pelé conquistou. Poucos ídolos no mundo fazem parte desse panteão de deuses eternos.

O mestre da arte pop, o artista plástico Andy Warhol, que falou que no futuro todos teriam seus 15 minutos de fama, tirou Pelé dessa famosa teoria, dizendo que o jogador seria o único a ter 15 séculos de fama. O técnico argentino campeão do mundo César Luis Menotti reiterou que não houve, não há e não haverá jogador como Pelé. Para mim, afirmou nuestro hermano, Pelé era de outro planeta.

Mas não é apenas tudo isso. Imaginem um projeto em que a Casa da Moeda convertesse em medalhas gols feitos por um craque de futebol, do tamanho de um Pelé, para que fossem vendidas e possibilitassem a arrecadação de alguns milhões para financiar pesquisas com o objetivo de encontrar a cura para doenças infantis, visando, principalmente, salvar crianças com câncer. Ou melhor, imagine se um grande jogador, do tamanho de um Pelé, doasse objetos para que fossem leiloados e parte da renda fosse revertida para pesquisas que ajudassem as crianças. Pois é, Pelé fez isso. E a instituição escolhida como beneficiária e parceira foi o Hospital Pequeno Príncipe, muito conhecido de todos nós aqui no Paraná. Em 2007 Pelé fez essa doação em benefício do Hospital. Foram criadas medalhas de bronze, prata e ouro, nos valores de R$700 R$ 1.500 e R$ 3.000, respectivamente.

Embaixador mundial do futebol, eleito o Atleta do Século, 11 vezes artilheiro do campeonato paulista, artilheiro da Taça Brasil, da Libertadores, do torneio Rio-São Paulo, tri campeão mundial, Edson Arantes do Nascimento superou a marca dos 1000 gols. Aliás, Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica, levou luz para lares, praças e ruas. Pelé, que era Edson em homenagem ao empresário inventor, levou a luz do gênio humano para mentes e corações de milhões de cidadãos no mundo. 

Pelé marcou 1283 gols. Único futebolista tricampeão do mundo, foi eleito Jogador do Século pela Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS), venceu prêmios de Melhor Jogador do Século e foi eleito Atleta do Século pelo Comitê Olímpico Internacional. Marcou seu milésimo gol no dia 19 de novembro de 1969. Sua mãe, Dona Celeste, faz aniversário no dia 20 de novembro. Ela, inclusive, fez 100 anos no dia 20 de novembro de 2022, mas Pelé, ao marcar o histórico milésimo gol, não o dedicou à sua mãe. Aproveitou os holofotes para pedir pelos pobres e pelas crianças. Os compositores clássicos escreviam suas obras com notas musicais gravadas no papel. Pelé escrevia verdadeiras sinfonias com os pés e a amada bola, se deslocando como sons mágicos que encantavam e emocionavam os sentidos - tanto quanto as melhores obras de Bach, Beethoven e Mozart encantam os ouvidos. Fosse Pelé compositor clássico, ninguém daria bola para Mozart, Beethoven e Bach. Fosse ele pintor, Van Gogh, da Vinci, Dalí, Monet e Picasso seriam apenas bons artistas.

Que Pelé é um Rei não há dúvida alguma. Até conflitos armados cessavam quando ele se aproximava para mostrar a sua arte, mas de onde surgiu essa percepção inevitável, pela primeira vez? Foi o jornalista e escritor Nelson Rodrigues, após um Santos X América, ainda antes da Copa de 1958. Nelson, numa crônica impressionante, fez, sobre um Pelé com apenas 17 anos, constatações tais como: “verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope.

Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: a de se sentir rei, da cabeça aos pés.”

Mas entre tantas qualidades e proezas que poderíamos, por dias,destacar sobre Ele, “O Pelé”, uma talvez mereça destaque especial, sobretudo sob a influência, talvez, do período em que o Rei resolveu mergulhar na eternidade, ou seja, fim de um ano início de outro. Pelé foi capaz de unir, aproximar povos, pessoas, objetivos, utilizando como veículo a sua nobreza no esporte mais popular do mundo. É o fim de um ciclo virtuoso, de um iluminado que soube vencer os ignorantes, que sem a sua luz, lançavam mão, e pé, da violência, do antijogo, da indecência das trevas. Aos brutos restou a solidão do justo esquecimento e desprezo, lembranças, maravilhosas, apenas à luz, nobreza e majestade do eterno menino Rei, o nosso Rei Pelé.