Chico, 78 17/06/2022 - 16:00

Thobias de Santana

Nas despretensiosas reflexões que surgem nesse quase bate-papo que são os igualmente desambiciosos textos que faço, brotam perguntas sem respostas definitivas, mas boas de se fazer. Exemplo: quais fatos poderiam determinar o destino de uma pessoa, como a mudança significativa da sua vida, que a fizesse deixar os estudos de arquitetura para assumir, no futuro, o posto de gênio da criação na MPB? Estou aqui pensando em Chico Buarque.

Quando Chico Buarque de Hollanda nasceu no Rio de Janeiro, no dia 19 de junho de 1944, o mundo vivia morrendo. Era a segunda grande guerra, conflito que só terminaria, na Europa, com a queda da Alemanha nazista, em maio de 1945. Na Ásia, o conflito acabaria em setembro do mesmo ano, com a rendição do Japão.

O tempo é o palco da história e do conflito entre nações. O resultado foi um número inaceitável de histórias interrompidas. Eram vidas iguais às nossas. Restaram de saldo, ainda, alguns heróis e dois líderes sem grandeza que, por semear crueldade, autoritarismo e violência, colheram, no final dos seus dias, o que plantaram. Tudo virou história, que era a área de conhecimento do pai de Chico, o respeitadíssimo Sérgio Buarque de Hollanda, que também foi escritor, sociólogo, jornalista e crítico literário. Ainda que Sérgio, por força dos compromissos de trabalho, não fosse tão presente, sua presença certamente era responsável pelo equilíbrio na vida da família.

Maria Amélia Buarque de Hollanda, mãe do cantor/compositor, foi uma intelectual com relevante participação em parte da obra de Sérgio Buarque de Hollanda. Era neta de Cesário Alvim, que ocupou a presidência do estado de Minas Gerais e, segundo o próprio Chico, muito presente como mãe. Maria Amélia morreu em 2010, poucos meses depois de completar 100 anos de idade.

Chico foi criado em São Paulo, onde foi residir aos dois anos de idade e viveu o maior período da sua infância e adolescência, com exceção do tempo que residiu na Itália onde, inclusive, teve o primeiro contato com Vinícius de Moraes, o diplomata, que levava o violão para cantar na casa dos amigos Buarque de Hollanda. Vinícius, além do violão, levou até Chico Buarque música e poesia de ótima qualidade. Depois, levou Tom Jobim e João Gilberto que, com “Chega de Saudade”, fez Chico Buarque abraçar, definitivamente, seu destino como compositor/cantor.

Claro que Chico Buarque não foi sempre o mesmo. A gente muda durante a vida, por que chico não haveria de mudar? Chico foi o “Carioca” quando muito jovem estudava arquitetura na USP, por conta do bronzeado e das gírias que pegava no RJ e levava pra lá. Chico foi, também, o “Julinho da Adelaide”, para driblar e passar pela censura com “Acorda Amor”, “Milagre Brasileiro” e “Jorge Maravilha”, marcando esses três golaços. Podia até pedir música no Fantástico.

O fato é que Chico Buarque produziu obras tão relevantes no conteúdo – não tenho números exatos mas devem ser quase 500 músicas, cerca de 40 álbuns, uns 25 compactos, doze livros (incluindo peças e um livro infantil) – e construiu uma história tão robusta, que os reproches pueris não resistirão ao tempo, como não resistiram as endereçadas a Noel, ou seja, parece estar condenado a ser festejado como ídolo perene da música brasileira.

Mas o quê, nessa estrada, fez com que Chico produzisse o que produziu e pensasse como pensa? Exemplo: Clarice Lispector perguntou ao Chico: qual é a coisa mais importante do mundo? Chico respondeu: trabalho e amor. Perguntou, ainda: qual é a coisa mais importante para você, como indivíduo? E ele: a liberdade para trabalhar e amar. 

O que forjou a personalidade desse artista capaz de arrancar, de Toquinho, esse tipo de declaração: Chico “é um ser humano fantástico, com posturas dignas sempre. Chico é a grande dignidade da música brasileira, um talento enorme!”

Tímido, modesto e francamente sincero na sua humildade, Chico realça os outros de forma generosa, desde sempre, quando sonhava cantar como João Gilberto, fazer música como Tom Jobim e escrever letras como Vinícius de Moraes. Disse ao Tárik de Souza – no programa Canal Livre – que “começou a fazer música, mexer com violão, a partir da Bossa Nova… esse é um crédito que tem que ser dado porque é de toda uma geração, não é só pessoal meu, e eu posso dizer isso com certeza porque eu falo com todo mundo… a minha geração toda é formada a partir do movimento Bossa Nova.”

Seria muito bom se todos pudéssemos tentar compreender a razão de sermos como somos, observando livre e atentamente a trajetória, conteúdo, pensamento, verdades e as escolhas feitas que nos trouxeram até aqui! Saber sobre Chico Buarque seria entender como incubar gênios nada afetados que no futuro nos ajudassem a compreender a “Construção”/ “Todos Juntos” “Até o Fim” “Sem Fantasia” / “Apesar de Você” “Meu Caro Barão” “Injuriado” / “Basta um Dia” “Meu Caro Amigo” / “Imagina” “Outros Sonhos” / “Ano Novo” / “Lua Cheia” / “A Rosa” / “Vida” / “Até Pensei” “Vence na Vida Quem Diz Sim” / “Deus lhe Pague”/ "Vai Passar".

Mas é justo que para desvendar o que fez Chico ser Chico, perguntemos ao Chico qual fato, ou fatos o fizeram tão grande e brilhante. Mas ele já disse na contracapa do seu primeiro disco: “Pouco tenho a dizer além do que vai nestes sambas”. Então, muito do que queremos saber, provavelmente, está lá, na obra desse grande brasileiro, basta fazer a pergunta certa e ouvir uma de suas magníficas respostas.

Na última sexta-feira (17), Chico Buarque lançou seu mais recente single, “Que Tal um Samba?”. E confirmou shows no Guairão, em Curitiba: dias 23 e 24 de setembro. Ingressos estarão à venda a partir de 1º de julho.