Luz, câmeras e canções: Sivuca nascia há 92 anos 26/05/2022 - 10:00

Thobias de Santana

O sol em Curitiba não nos convida para mergulhos na piscina. O frio é intenso, mas a segunda quinzena de maio trouxe uma sequência de ondas gigantes de emoção e saudades de um tempo mágico, e de entidades, nascidas nessa quinzena, que participaram ativamente das obras de construção da nossa história e memória musicais. Johnny Alf (19.05.1929), Silvio Caldas (23.05. 1908), Cyro Monteiro (28.05.1913) João da Baiana (17.05.1887), entre outros.

 
Zizinho, Sivuca e José Tobias, na casa de Kátia, filha de Tobias
Zizinho, Sivuca e José Tobias, na casa de Kátia, filha de Tobias

Filho dos cantores José Tobias e Jussara, tive o privilégio de crescer perto de feras da nossa arte. Na sala de casa, em São Paulo, eu, ainda criança na década de 1960, almoçava um dia com Martinho da Vila, noutro com Moacir Franco, numa semana Lúcio Mauro, noutra Aldemir Martins, Sivuca, e assim ia. Eu, criança, não tinha adequada consciência do tamanho deles. Para mim eram amigos dos meus pais, e bastava.

Fui saber, provavelmente no início da minha adolescência, que Sivuca – nascido em Itabaiana-PB em 26 de maio de 1930 – trabalhou com meu pai na rádio Jornal do Commércio, em Recife. Pouco tempo depois conheci a história da primeira gravação do meu pai no início da década de 1950, que foi exatamente com o mestre Sivuca. Mas o inusitado era exatamente isso, eram apenas meu pai, cantando, e seu amigo Sivuca, acompanhando-o com um órgão, além de ter feito os arranjos. As músicas? “Acauã” e “Chora Carrinho”, do lendário Zé Dantas. José Tobias e Sivuca, contratados pelas Emissoras e Diários Associados em 1955, viajaram e estrearam juntos na Rádio Tupi (PGR-3), no Rio de Janeiro, no conhecido “maracanã dos auditórios”, o maior da América Latina na época, que ficava na rua Venezuela, 43, com capacidade para cerca de 1.500 pessoas.

Sivuca é autor de músicas como “Adeus Maria Fulô”, parceria com Humberto Teixeira, gravada tanto por Carmélia Alves como pelos Mutantes; a contagiante “Feira de Mangaio”, parceria com sua esposa, a cantora e compositora Glorinha Gadêlha, impecavelmente gravada por Clara Nunes; “No Tempo dos Quintais”, outra obra prima, desta vez com o poeta Paulinho Tapajós e a belíssima canção que dispensa maiores apresentações: “João e Maria”, de Sivuca com Chico Buarque de Holanda

Sivuca participou do filme “Le Diable et les Dix Commandements”, do francês Julien Duvivier, produziu discos, morou em Nova York, onde trabalhou como arranjador e violonista da cantora Miriam Makeba, do sucesso “Pata Pata”, produziu trilhas para filmes da TV americana, compôs trilha para filmes dos Trapalhões, trabalhou também com nomes como Hermeto Paschoal, Harry Belafonte, Julie Andrews, Caetano Veloso e Luiz Gonzaga, além de incontáveis outros trabalhos e conexões efetuados no Brasil, Estados Unidos e Europa.

Um gênio da música mundial, um ser humano raro, um exemplo a ser seguido. Sivuca, por ser albino, não podia se expor ao sol por muito tempo. Mas um ser dessa magnitude deve ter se mantido aquecido e iluminado com a luz própria que produzia.